No Japão do Séc. XIX, dois samurais chamados «Munezo Katagiri» (Masatoshi Nagase) «Samon Shibada» (Hidetaka Yoshioka) despedem-se do seu grande amigo «Yaichiro», que está de partida para Edo, onde irá assumir uma posição importante no seu clã. Posteriormente, os dois companheiros dirigem-se para a casa de “Katagiri”, tendo em vista acertar o casamento da irmã deste “Shino” (Tomoko Tabata) com “Shibada”. Num almoço alegre, o enlace é acordado sobre os mais esperançosos auspícios.
Na casa de “Katagiri”, vivem igualmente a mãe do samurai e a sua serva, uma rapariga chamada “Kie” (Takako Matsu), pertencente a uma casta inferior. “Kie” cresceu numa quinta, e vive com a família “Katagiri”, tendo em vista aprender os afazeres domésticos, por forma a que possa arranjar um bom casamento e elevar um pouco a sua parca condição social.
Três anos depois muita coisa mudou. “Shibada”casou com “Shino”, a mãe de “Katagiri” faleceu, e “Kie” casou com o herdeiro de uma abastada família de comerciantes. Um dia, “Katagiri” encontra “Kie”, com um aspecto bastante diferente. Ela encontra-se muito mais magra e abatida, o que leva “Katagiri” a pensar, e com razão, que a rapariga anda a ser maltratada pela família do marido. Posteriormente chega ao conhecimento do samurai que “Kie” adoeceu gravemente, o que o faz enfurecer. Ele resgata-a do seu degredo social, leva-a de novo para a sua casa e trata do divórcio de “Kie”. Esta recupera da sua maleita, e volta a ser a serva fiel de “Katagiri”, providenciando por todo o bem estar da sua residência.
Não tarda muito que a felicidade do casal seja ameaçada por dois cruéis eventos. O primeiro prende-se com os rumores emergentes que espalham o boato de “Kie” ser amante de “Katagiri”, provocando um certo escândalo, atendendo a que a rapariga é de uma casta inferior à do samurai, facto imperdoável no clima social do Japão de então. Isto faz com que “Katagiri” seja obrigado a enviar “Kie” para a quinta dos pais, provocando um desgosto enorme a ambos.
O segundo acontecimento está relacionado com o amigo de “Katagiri” que partiu anos antes para Edo. Pelos vistos, “Hazama” envolveu-se numa conspiração ao mais alto nível, sendo preso e posteriormente evadindo-se, tomando como reféns um agricultor e a sua filha. O clã ordena a “Katagiri” que mate “Hazama”, pois ambos foram alunos do lendário samurai “Kansai Toda” (Min Tanaka), sendo “Katagiri” considerado o único capaz de levar a missão a “bom porto”.
Dividido pela amizade e pela honra, devastado pela possível perda do seu amor, “Katagiri” vê-se envolvido num enorme dilema interior que o leva a tomar as decisões mais importantes da sua vida.
“A Espada do Samurai” (Kakushi ken oni no tsume no título original) constitui o segundo episódio da aclamada trilogia do respeitado realizador japonês Yôji Yamada, sob a chancela da produtora Shochiku. O primeiro filme da “trilogia samurai” de Yamada, chamado “A Sombra do Samurai”, resultou num grande sucesso, tendo ganho 12 “Japan Academy Film Awards” e inclusive obtido uma merecida nomeação para o óscar de melhor filme estrangeiro, na edição dos prédios da academia de Hollywood referente ao ano de 2004.
O que desde logo fascina nos filmes de Yamada é que, ao contrário do que os títulos das películas possam indicar, não estamos perante as normais longas-metragens de “chambara” ou “jidai geki”, mas antes deparamo-nos com películas que têm uma componente dramática muito maior, em detrimento da acção violenta e realista dos combates. Yamada preocupou-se sobretudo em expôr as fragilidades emocionais dos míticos guerreiros, tentando humanizá-los ao máximo e situá-los na sociedade tremendamente feudal do Japão. Do ponto de vista estritamente histórico, as obras de Yamada são bem capazes de ser as que nos elucidam melhor acerca da vivência dos samurais.
A estória de “A Espada do Samurai” situa-se numa época de grande confrontação e celeuma entre o antigo modo de vida dos samurais, e a modernização do império nipónico, que no filme é abordada essencialmente nos seus aspectos militares. Porventura, o caro leitor estará a pensar neste momento que já viu este tema abordado em algum sítio. Tem toda a razão, pois o “blockbuster O Último Samurai” de Edward Zwick, com Tom Cruise e Ken Watanabe como principais protagonistas, assentava sobretudo nesta ideia de choque da cultura japonesa com a ocidental. Em “A Espada do Samurai”, o mesmo tema é dissecado de uma maneira mais refinada, embora muito menos espectacular.
Não pensem igualmente que, tal como a tradução portuguesa indicia, o filme tem por pano de fundo alguma espada sagrada, perdida, invencível ou qualquer coisa deste género. Ele refere-se a uma técnica de esgrima denominada “lâmina escondida” (aqui a tradução inglesa foi manifestamente mais feliz), muito efectiva em combate e ensinada pelo mestre “Kansai Toda” a “Katagiri”.
Fiel ao escopo dos seus filmes de samurais, como já foi anteriormente aludido, Yamada dá o enfoque sobretudo à vida social de “Katagiri”, às escolhas que forçosamente tem de fazer face à sua situação de samurai de baixa condição, sem contudo ser um “ronin”, e por esse mesmo motivo ligado a um senhor a quem deve a mais estrita obediência. No entanto, os famosos guerreiros já não são o que eram, e muita corrupção e falta de sentido de honra grassa e mancha o outrora quase imaculado código dos samurais. Quando “Katagiri” se apercebe deste aspecto, coloca em dúvida as suas próprias convicções, e sem pôr em causa o seu sentido de dever e lealdade perante o clã, acaba por tomar a atitude mais certa perante a sua consciência pessoal: liberta-se da casta a que a sua família pertenceu durante gerações.
As comparações com o primeiro filme da série de Yamada são inevitáveis. Quem viu “A Sombra do Samurai”, terá de concluir inevitavelmente que existe aqui uma repetição de vários aspectos do argumento. A relação entre “Katagiri” e “Kie” é bastante similar ao amor de “Seibei” e “Tomoe”; ambos os protagonistas dos filmes são samurais de baixa condição, com problemas financeiros; ambos recebem ordens para matar um rebelde e renomado espadachim, ocorrendo ambas as lutas num ambiente de certa forma claustrofóbico; e claro está, ambos põem em causa tudo o que acreditaram até então, sendo forçados a tomar decisões que cortam completamente com o seu passado.
Atendendo à grande similaridade entre ambos os filmes, “A Sombra do Samurai” terá de levar inevitavelmente alguma vantagem, nem que seja pelo facto de ter sido o primeiro a aparecer. Isto não quer dizer que “A Espada do Samurai” não tenha os seus méritos e alguma individualidade própria. Mas o problema é mesmo esse. É “alguma”!
Constitui um filme merecedor de atenção, mas para quem se queira iniciar na melancólica trilogia de Yamada, mais vale respeitar a cronologia, ou seja, “A Sombra do Samurai” deverá ser a primeira obra a visionar.
Autor: Jorge Soares (http://shinobi-myasianmovies.blogspot.com/)