Masao (Sekiguchi) é um rapaz que vive sozinho com a avó em Tóquio. Não tem pai e só conhece a mãe, que se afastou por motivos desconhecidos, através de fotografias. Depois de receber um pacote por ela remetido, Masao decide procurá-la naquela morada, na cidade de Toyohashi, sem nada dizer à avó. No caminho encontra um casal da vizinhança (Kitano e Kishimoto). A mulher sugere ao homem, rude e claramente com pouca simpatia por crianças, que acompanhe o miúdo.
Os dois partem em viagem, de táxi ou à boleia, encontrando no percurso alguns personagens marcantes, como um par de motoqueiros ou um aspirante a escritor (o segundo “Beat”, Kiyoshi) que viaja pelo Japão em busca de inspiração.
Kitano declarou que mudou de tom depois de «Hana-Bi» (1997) em parte para ir contra as expectativas do público e em particular dos críticos e jornalistas, que não se cansavam de o questionar sobre a violência patente nos seus filmes. O título anterior, estreado sob o título de «Fogo de Artifício» era já conceptualmente diferente de outros do realizador nipónico. Ficaremos agora na expectativa de nova viragem radical do tom e dos temas do cinema de Kitano.
É curioso confrontar a estreia desta obra com uma outra surpresa semelhante no nosso ano cinematográfico. «The Straight Story» (1999), em exibição um mês antes de «Kikujiro No Natsu», marcou o regresso de David Lynch com um filme singularmente melodramático e “para todos” (o seu conteúdo em abstracto, literalmente em países como os EUA e o Reino Unido; cá o M/12 parece ser o mais baixo para um filme legendado), que é também um “road movie”. Para além disso, ambas as obras foram bem recebidas no último festival de Cannes.
«O Verão de Kikujiro» pode ser o filme mais familiar de Kitano, mas não carrega a intensidade dramática do brilhante «Hana-Bi», o seu melhor filme de entre os que conheço (Kitanos Vol. 4, 6, 7, sendo este o 8, de acordo os títulos alternativos frequentemente apresentados). A construção dos seus filmes obedece a grande rigor: filma muito pouco material não utilizado e quase sempre em sequência. Em «Kikujiro» optou por não derramar demasiada sacarose, explorando o elemento do miúdo queriducho para comover a audiência, entrecortando momentos de humor que vão do mais ridículo ao non-sense, sem deixar de apresentar situações verdadeiramente hilariantes, nomeadamente as que decorrem da atitude de rufia do seu personagem e das reacções dos seus interlocutores. Todo o segmento do jogo poderá constituir um dos momentos mais divertidos do ano.
O tópico Família volta a ter importância central aqui, tal como no filme anterior. É inevitável referir que Kikujiro era o nome do pai do próprio realizador, com o qual não teve uma relação propriamente equilibrada. Para um ocidental poderá ser difícil valorar certos elementos do mesmo modo que a audiência no país de origem.
No filme, o momento que se assume determinante para Masao é uma placa com um nome de família. Os percursos do personagem de Kitano e do miúdo são paralelos; este aproveita a viagem para visitar a mãe, internada numa instituição para idosos. A possibilidade dessa visita teria sido provavelmente o que o motivou a iniciar o percurso, decorrendo desta sequência a sugestão de que o adulto viveu uma situação similar, com as visíveis consequências na sua personalidade e comportamento. Daí o seu desejo em compensar Masao.
Deste modo, os momentos entre os adultos e a criança constituem muito mais do que gags humorísticos, com fim em si mesmos; tanto o homem rude como a criança têm necessidade de compensar por uma perda irreparável, e de se sentirem parte de uma família mais completa, ainda que fictícia e conscientemente a prazo.
Autor: Luis Canau ( www.asia.cinedie.com )