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Throne of Blood

“Taketori Washizu” (Toshirô Mifune) e “Miki Yoshiaki” (Minoru Chiaki) são dois valorosos comandantes de “Lord Tsuzuki” (Takamaru Sasaki), que se dirigem ao “castelo das teias”, a residência do seu senhor. A ânsia no reencontro com “Tsuzuki” é grande, pois os dois guerreiros encontram-se envoltos em glória, após terem derrotado um nobre rival daquele.

Ao atravessarem a “floresta das teias”, percurso obrigatório para chegar ao castelo com o mesmo nome, os dois amigos deparam-se com um estranho espírito que lhes faz uma premonição. “Tsuzuki” nomearia “Washizu” como o líder da guarnição norte e “Yoshiaki” como o comandante da primeira fortaleza. Posteriormente “Washizu” seria o líder do clã e o filho de “Yoshiaki” suceder-lhe-ia.


Os samurais convencidos que sonharam seguem para o seu destino. No entanto, quando “Tsuzuki” procede às nomeações vaticinadas pela aparição fantástica, começam a dar crédito à profecia. A dama “Asaji” (Isuzu Yamada), mulher de “Washizu” convence-o a assassinar “Tsuzuki”, para que ambos tomem o poder.

“Washizu” cumpre a vontade da sua mulher e torna-se o líder do clã. Posteriormente o guerreiro começa a desconfiar de tudo e de todos, cometendo mais assassinatos, em ordem a manter o título nas suas mãos. Contudo o destino não deixará que os crimes de “Washizu” fiquem sem resposta.

O grande mestre do cinema japonês Akira Kurosawa sempre teve uma grande admiração pelos grandes vultos de literatura universal, mormente os escritores russos, cuja predilecção pessoal ia para Dostoevsky. No entanto, as tragédias do mítico dramaturgo britânico William Shakespeare colheram imenso a sua simpatia. Não seria pois de admirar que Kurosawa se inspirasse nas obras de Shakespeare na feitura de alguns dos seus filmes, havendo a franca possibilidade do talento do realizador nipónico dar origem a mais um feito de registo na sétima arte. Foi isso que aconteceu neste caso. Shakespeare escreveu “Macbeth”, Kurosawa realizou “O Trono de Sangue”. O filme é eivado de uma muito boa qualidade, sendo considerado com alguma propriedade, uma das melhores longas-metragens do realizador.


Kurosawa segue de perto a peça de Shakespeare, mas tem o mérito de adaptar a história à realidade japonesa e ao clássico “chambara”. Por este mesmo motivo, viu-se obrigado a reformular o argumento de alguma forma, transformando, a título meramente exemplificativo, a Escócia do século XI de Macbeth, no Japão feudal do século XVI de “Washizu”.

“O Trono de Sangue” parte em desvantagem em relação a obras como “Os Sete Samurais” ou “The Hidden Fortress” no que concerne ao sentimento de aventura e diversão. No entanto, baterá estes filmes aos pontos no tocante à sua aura introspectiva, séria e fantasmagórica. “O Trono de Sangue” é verdadeiramente uma jornada negra, maléfica e de desespero humano, cheio de cenas e sons emblemáticos que pugnam pela escuridão.

Pessoalmente identifico-me mais com a primeira linha, encabeçada pelo glorioso “Os Sete Samurais” e porque não dizê-lo também “Ran, Os Senhores da Guerra”, esta última a minha obra preferida de Kurosawa. Não obstante este facto, “O Trono de Sangue” consubstancia-se num marco cinematográfico que o espectador mais atento não poderá ficar impassível, estando impregnado de várias influências do teatro tradicional japonês imbuído pelo drama “Noh”.

Mais uma vez, e nunca é demais dizê-lo, Kurosawa dirige uma obra com uma mestria fora do comum. Pormenores como “Lady Asaji” a ir buscar o saké com os soporíferos para adormecer os guardas de “Tsuzuki”, em que a nobre investida nas suas vestes brancas desaparece no negrume da sala, para depois reaparecer de repente com a face decidida; o crocitar dos corvos a adivinhar a morte; mas acima de tudo a célebre cena final em que “Washizu” é trespassado pelas setas dos seus próprios homens, constituem momentos verdadeiramente memoráveis da sétima arte.

A cena da morte de “Washizu” merece mais umas parcas linhas. Muitas das setas usadas eram verdadeiras, embora outras fossem falsificações de bambu. As flechas que batiam nas paredes eram reais, e não houve absolutamente nenhum efeito especial que entrasse na cena em questão. Foram isso sim usados arqueiros treinados, que disparavam para onde Mifune indicasse com os braços, no meio do seu torpor maníaco. Kurosawa pretendia que Mifune expressasse um medo genuíno (que não duvidamos que tivesse sentido), reflectido nas expressões faciais. O resultado foi de facto estrondoso.


Mifune, esse senhor do cinema nipónico e mundial, prova por que razão para muitos e para mim também, é considerado o melhor actor japonês de todos os tempos. Memorável a sua representação nesta película. Contam-se pelos dedos aqueles que como Mifune conseguem ser insanos, sanos, agressivos, doces, fortes, fracos, seguros e inseguros no mesmo filme. A sua representação em “O Trono de Sangue” é digna de figurar como um dos mais portentosos actos de representação na história do cinema. Mas verdade se diga, ninguém conseguia dirigir Mifune como Kurosawa. A prova deste aspecto reside no facto de o actor nunca ter igualado noutros filmes, as suas actuações nos “chambaras” únicos do realizador japonês.

“O Trono de Sangue” constitui uma proposta inolvidável e inultrapassável para qualquer amante da sétima arte. Explora competentemente a natureza humana, particularizando os seus anseios, medos e limites. Só não leva uma nota melhor, pois o administrador deste blogue gosta de um bocadinho mais de acção, quando se trata de um “jidaigeki”.

Obrigatório!

Autor: Jorge Soares (http://shinobi-myasianmovies.blogspot.com)

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