O Japão é o país líder em produção de robots e a sua visão do século XIX engloba a co-existência de humanos e robots. Para os japoneses os robots não constituem só ferramentas industriais, acessórios domésticos ou brinquedos, mas também uma parte da cultura, entretenimento e arte.
Desde sempre que a afinidade e admiração que os japoneses nutrem pela robótica, tal como a sua capacidade de inovação nesta mesma área, tem sido relatada na história. É no aparecimento dos karakuri durante o período Edo, que podem ser encontrados os primórdios daquilo que hoje conhecemos como robots. Considera-se que o karakuri é resultado de uma relação simbiótica entre a tradição oriental e a tecnologia oriental e a sua história dedicou especial atenção a abordagens antropomórficas.
Aos bonecos robotizados que possuem formas humanas foi atribuída a denominação de “Karakuri Ningyo”.
Karakuri ningyou são bonecos mecanizados (ou autómatos) que apareceram no Japão entre os séculos XVII e XIX (duração do período Edo). A palavra “karakuri” é utilizada para denominar um sistema mecânico utilizado para entreter, divertir ou surpreender uma pessoa. Por outro lado, “Ningyo” (escrito como 2 caracteres separados) significa “pessoa” e “forma”.
Os karakuri servem-se de movimentos subtis e abstractos para despertar emoções e sentimentos por parte daqueles que os observam.
Existem 3 categorias principais de karakuri:
– “Butai Karakuri” (Karakuri de palco) – Fantoches utilizados no teatro. Os gestos e movimentos característicos dos teatros Noh, Kabuki e Bunraku estão directamente relacionados com o desempenho dos karakuri Ningyo, sendo muitas das formas de expressão destes géneros de teatro, imitações e mímicas dos fantoches.
Durante o período Edo as melhores e mais conhecidas peças eram as desempenhadas por fantoches, o que implicava considerar tanto as “capacidades” como limitações dos karakuri na criação dessas mesmas peças. Algumas dessas peças poderiam então, ser posteriormente adaptadas para uma representação com pessoas em palco. Muitos japoneses ficaram a saber da existência dos karakuri quando Takeda Omi apresentou o primeiro espectáculo de karakuri em Osaka no ano de 1662. Takeda Omi chegou mesmo a abrir uma sala (Takeda-Za) para espectáculos de Karakuri, que geriu durante 12 anos de sucesso e grande afluência.
– “Zashiki Karakuri” (“Karakuri de quarto ou de tatami”) – São pequenos e destinados a uso doméstico. Os zashiki karakuri são considerados como a mais preciosa forma de karakuri, tendo sido os mais famosos produzidos durante meados e fim do período Edo e incluíam mecanismos de relojoaria ocidental (por exemplo, recorria-se à força do vapor, mercúrio e areia). Os “Chahakobi Ningyo” (ou bonecos de servir chá) são os exemplos mais comuns de Karakuri no Japão e a sua representação mais tradicional é um “robot servidor de chá” que começa a andar para a frente quando um copo de chá (peso) é colocado no prato que tem nas mãos. Utiliza-se quando um anfitrião quer tratar um convidado de uma forma criativa e original durante uma cerimónia de chá (e não só). Move os seus pés como se estivesse realmente a caminhar e acena a cabeça sinalizando que o chá que transporta é para o convidado beber. Assim que o copo é retirado do prato, o boneco pára. Quando o copo é recolocado no prato, o boneco levanta a sua cabeça e regressa ao local de onde partiu.
Durante o período Edo, os Zashiki Karakuri eram artigos de luxo que, habitualmente, apenas lordes na ordem feudal possuiriam. Considera-se que os bonecos de servir chá são bastante peculiares não apenas pela sua perspectiva mecânica, mas também por representarem a essência humana de uma forma intrigante, sendo utilizados como maneira de aprofundar a comunicação entre anfitrião e convidado. A melhor colecção de Zashiki karakuri pode ainda hoje ser encontrada em Kyoto no Museu “Folk dolls”, em Sagano.
– “Dashi Karakuri” (“Karakuri de festival”) – Tradicionalmente utilizados em festivais religiosos para representações de mitos e lendas que entretêm o público. Várias das suas representações podem mesmo ser feitas com intencionalidade de homenagear os Deuses e trazer boa sorte, prevenir epidemias e outros problemas.
Embora exista uma maior variedade de karakuri, estes são os principais.
A tradição Karakuri vai para além da tecnologia e da robótica, manifestando-se na cultura popular para a qual também contribui. Os karakuri influenciaram o teatro Noh, o kabuki e o bunraku, tal como várias outras artes e contribuíram directamente para a modernização industrial do Japão.
A tradição dos mecanismos de relojoaria da China deu um grande impulso ao aparecimento dos Karakuri e existem muitos relatos sobre os primeiros robots ou karakuris em livros como o Nihongi ou no “Konjaku Monogatari-shu” (uma colecção de mais de 1000 histórias do Japão medieval).
De entre os artesãos de karakuri, há que destacar três principais: Hosokawa Hanzo Yorinao, Tanaka Hisashige (considerado mestre das artes mecânicas durante o período Edo e fundador da Toshiba) e Ohno Benikichi. O karakuri estava rodeado de um misterioso secretismo e, para além dos seus criadores, ver como eram construídos e o seu mecanismo não era permitido a mais ninguém. Estes segredos eram vitais e o Mestre dos mecanismos do Karakuri era visto como um trabalhador reservado e solitário.
Autor: Carolina Ventura