Foi com o mesmo entusiasmo com que sempre leio Murakami que tirei da prateleira da livraria O Elefante Evapora-se, sentindo-lhe o título em alto-relevo, como a Casa das Letras já nos habituou. Na capa estavam estampados os habituais comentários de importantes jornais, dizendo o que o leitor de Murakami já sabe: “senhor de um talento capaz de deslocar realidades, de descobrir o surreal na vida de todos os dias, o invulgar no vulgar”, “digno sucessor de Franz Kafka”, que nos dá a conhecer o Japão “tal como ele é, vivido de dentro…”.
Ainda assim, a curiosidade de conhecer os meandros da próxima viagem fez-me abrir o livro que apresentava dezassete contos, sendo o último aquele que dá o título à obra. De todos os comentários que já foram tecidos sobre Murakami, destaco aquele que caracteriza a sua leitura como intrigante e divertida. É o que acontece, de facto, em todos (ou quase todos) os contos que compõem este livro.
A aventura do leitor começa com enredo intrigante, não quebrando a regra, que nos puxa para dentro de si quando um jovem é surpreendido pelo telefonema de uma desconhecida que lhe pede apenas dez minutos do seu tempo. Segue-se o divertidíssimo conto O Assalto à Padaria, no qual o leitor é levado, uma vez mais, numa espiral de vida normal e rotineira que desemboca num desenlace sempre surpreendente e já bem fora dos trâmites da realidade. Neste segundo conto, um jovem casal, movido por uma fome intensa que os domina a altas horas da noite, acaba por assaltar um restaurante de fast food.
Há ainda a fabulosa história de uma mulher que está sem dormir há dezassete dias e que, surpreendentemente, se sente bem como nunca; o seu único problema trata-se, apenas, de tentar disfarçar este novo “tipo de vida” das atenções do seu marido e filhos. A Queda do Império Romano, A Revolta dos Índios de 1881, Quando Hitler Invadiu a Polónia, E O Mundo dos Ventos Violentos pode parecer um estranho título para um conto ou, mais estranho ainda, quando se trata de associações que um indivíduo faz entre acontecimentos da sua vida pessoal e importantes momentos históricos.
Em Os Celeiros Incendiados, um homem recebe em casa um casal, curiosamente o anfitrião havia tido um estranho caso com a mulher, mas esta parecia agir normalmente no seio daquele trio. Num momento envolto em fumo de charro e embebido em álcool, o rapaz acaba por confessar ao dono da casa o seu gosto por incendiar celeiros abandonados, explicando-lhe detalhadamente o porquê e o como, acabando por incutir no seu interlocutor uma estranha curiosidade. O Pequeno Monstro Verde, místico e sucinto, é a história de uma mulher que destrói, apenas com a força dos seus pensamentos, um pequeno mostro que lhe havia brotado do jardim.
Mais do que isso, há o episódio da esposa que deixa o marido por causa de um par de calções; a visão amarga de Uma Rapariga Perfeita Numa Bela Manhã de Abril; o surpreendente Comunicado dos Cangurus; a carta de um homem que tem por profissão corresponder-se com pessoas solitárias; breves apontamentos sobre um par de irmãos que partilham a mesma casa; recordações de um narrador acerca de chineses que tinha conhecido e a sua noção de distância espácio-temporal; um estranho enredo de pequenos homenzinhos que instalam televisões em casa de um indivíduo pacato, destroçando-lhe a vida; um Anão que Dança; o último dia de trabalho de um cortador de relva; a história angustiada de um pugilista e, por fim, o estranho caso de um elefante e do seu velho tratador, fiéis amigos, que desaparecem misteriosamente, caso impossível de resolver.
Se os títulos dos contos parecem atraentes, algo misteriosos e relativamente desprovidos de um sentido primeiro, palpável a um pensamento imediato, realmente, é essa a ideia.
Autor:Joana Fonseca