Aum Shinrikyo (オウム真理教 Aumu Shinrikyō) é uma religião conceptualmente sincrética que neste caso resulta de uma amálgama de elementos provenientes do Budismo, do Hinduísmo (Aum vem da sílaba “om” em sânscrito, que representa o absoluto do universo, Shinrikyo a “verdade suprema”) e do Cristianismo apocalíptico. Foi fundada em Tóquio em 1984 por Shoko Asahara (麻原 彰晃 ; nome “artístico”, Shoko assumindo o significado de “luz brilhante”- terá nascido com o nome Chizuo Matsumoto) aos 32 anos que, à altura, era professor de ioga e acupunctor, e dizia de si ser a reincarnação de Shiva, um dos principais deuses do panteão Hindu, assim como de Jesus Cristo.
Porventura o traço que melhor distingue esta religião dos demais cultos assentes na iminência do fim do mundo é o de que, para além de prever a data desse acontecimento futuro, terem também também feito por, procurando evitar a descredibilização de uma previsão falhada, pôr em marcha esse mesmo apocalipse.
As escrituras que dão corpo a este culto centram-se então no esoterismo budista, hinduísta (do ascetismo), assim como nas profecias à maneira de Nostradamus e do Livro do Apocalipse, e das ficções cientificas de Asimov. Para além disto também ia beber a teorias conspiratórias, nomeadamente de critério masónico e anti-sionista, acusando os judeus da responsabilidade por vários acontecimentos (como os genocídios que se passaram no Ruanda e Bósnia), assim como de uma oculta e poderosa nova ordem mundial. Uma das suas mais célebres profecias estabelecia o começo da Terceira Guerra Mundial em meados dos anos de 1990, com um ataque americano ao Japão que eliminaria 90% da população do país (e aí a Aum Shinrikyo sairia por cima do caos estabelecido, partindo daí para a conquista do Planeta). Como não há profecia sem profeta, este estilo apelativo e espectacular apoiava-se no culto da personalidade de Asahara que dizia ter a capacidade de (entre outras coisas) levitação e telepatia; para além disso vendia frasquinhos de sangue ou bocados de cabelo seu e restos da água do banho como forma de financiar a sua instituição, com a pretensão, naturalmente, de que estes teriam poderes sobrenaturais (com os valores a variar entre os ¥80,000 e os ¥700,000).
Para além disso muitos dos membros usavam chapéus psico-electrónicos de que se dizia serem capazes de harmonizar as ondas cerebrais com as do guru Asahara. A popularidade à época do fenómeno “New Age”, onde inicialmente se integrou, constituiu uma forte base de expansão, com a angariação de membros rapidamente a chegar aos milhares. De facto a riqueza do culto (como qualquer culto bem sucedido que se preze, exigia a doação de todo o património privado possuído pelos membros), que também se estendia à edição de livros proféticos e conspirativos, investimento em propriedades e outras actividades comerciais (muitas delas ilegais), tornou-se um factor-chave no modo pelo qual viria a concretizar muitos dos seus projectos terroristas pelos quais ficou conhecido, com o referido intuito de dar início ao fim do mundo. Para tal não só compraram e desenvolveram armas químicas e biológicas em larga escala como construíram grandes instalações de armazenamento e recrutado, especificamente, vários cientistas e antigos militares.
Nas instalações do culto a vida dos membros era previsivelmente dura, com alimentação exclusivamente composta por (pouco) arroz e vegetais, assim como trabalho permanente e por vezes apenas 3 horas de descanso nocturno. Para além disto impunha-se o celibato e sanções disciplinares como isolamento em “solitária” ou a suspensão pelos pés. Para Asahara tal obviamente não se aplicava, tendo-se tornado visivelmente obeso ao longo dos anos, assim como tendo tido vários filhos e mantendo relações sexuais com os membros do sexo feminino do grupo.
Após o período inicial de expansão, o período de 1989 a 1993, foi marcado por alguns problemas, começando no assassinato de Tsutsumi Sakamoto, mulher e filho. Este era um advogado que defendia as famílias de alguns dos membros que se tinham juntado ao culto, assim como de alguns antigos membros que pretendiam ser ressarcidos dos bens que perderam. Juntando-se a isto um desastroso resultado após a decisão em concorrer às eleições legislativas, tendo apresentado uma lista com 25 candidatos e gasto centenas de milhões de yen na campanha, Asahara ficou mais agastado com a sociedade sua contemporânea que, visivelmente, e segundo ele, não o merecia.
A este período de persecussão e desilusão, seguiu-se também o abandono de muitos membros. Esta falha nos seus planos constituiu um grande abalo e entrou em conflicto com a sua auto-imagem e fé inabalável de controlador. Como tal, os seus esforços começaram a centrar-se definitivamente na sua destruição dessa mesma sociedade. O método de escolha foi desde início o terrorismo biológico (fazendo uso dos vários recrutas já ligados às ciências), e começou com a pulverização de botulina tóxica à volta do parlamento em 1990 (e no casamento do príncipe Naruhito em 1993), assim como de vapor de antraz a partir de um edifício de Tóquio. Nenhum destes ataques, no entanto, foi bem sucedido.
Mas Asahara procurou também obter armas de destruição maciça, tendo organizado uma grande digressão na Rússia (lembrando que, na altura, tinha acabado de atravessar a Perestroika e a desorganização da União Soviética, passando por uma gravíssima crise económica), doando material electrónico à Universidade de Moscovo e realizando um discurso para 20 mil pessoas no Estádio Olímpico. A mensagem ressoou nos russos e a verdade é que, no seu auge, três-quartos dos cerca de 40 mil membros deste culto eram deste país. A isto teve consequência naturalmente o estabelecimento de vários contactos com chefes militares russos, e procurou-se adquirir material de guerra variado, incluíndo ogivas nucleares. Felizmente tais negócios acabaram por não se chegar a concretizar.
No entanto os vários milhões provenientes dos seus membros, assim como a recessão económica que o Japão também atravessava permitiu à Aum Shinrikyo continuar a adquirir uma grande quantidade de terrenos, imóveis e empresas. Incluindo um imponente edifício que passaria a funcionar como sede, no sopé do Fujiyama, em Kamikuishiki (上九一色村). Com “empregados” não-remunerados e os benefícios fiscais conferidos às organizações religiosas (cuja certificação o culto tinha conseguido em 1989) o lucro era praticamente total. Todo este capital assim como novas instalações permitiram começar a desenvolver o projecto que viria a resultar no acontecimento mais associado ao grupo.
Se as pulverizações de botulina tóxica e antraz em Tóquio não surtiram efeito, em Junho de 1994 junto ao tribunal de Matsumoto (que na altura a polícia não conseguiu associar à Aum) foi libertado gás sarin para a atmosfera, matando 8 pessoas e ferindo outras 200. Finalmente, no dia 20 de Março de 1995, cinco homens entraram em comboios separados do sistema metropolitano de Tóquio, durante a hora-de-ponta matinal. Cada um levava consigo um guarda-chuva e um pacote embrulhado em papel de jornal. Nesses pacotes encontrava-se por sua vez um saco de plástico com uma solução líquida de gás sarin. Pelas 8 horas os cinco comboios convergiram na estação de Kasumigaseki (霞が関), onde se encontram vários escritórios dos ministérios do governo japonês. Aí poisaram os pacotes no chão, furaram-nos com as pontas previamente afiadas dos guarda-chuvas e puseram-se em fuga à medida que o líquido começava a verter e evaporar-se na atmosfera, facilitando a sua propagação pelas carruagens. No total estes ataques mataram mais 11 indivíduos e feriram milhares (acima de 5 mil) doutros passageiros.
A reacção policial, que muitos na altura apontaram ter pecado por tardia, resultou em rusgas às instalações da Aum Shinrikyo assim como na prisão de cerca de 200 membros do culto. Apesar disso, houve ainda mais atentados no metropolitano, desta vez com cianeto e cloreto de hidrogénio, mas que acabaram por ser impedidos, assim como um ataque a tiro ao director geral da polícia (que sobreviveu apesar de ter sido baleado quatro vezes). Outro dos momentos mais marcantes do processo de investigação policial foi o assassinato em directo na televisão de Hideo Murai, o responsável pelo departamento químico do culto que, alegadamente foi morto a mando da própria Aum Shinrikyo, por receio do que pudesse revelar durante o julgamento. O resultado final foi o da prisão de 150 membros e condenação à morte de 12 destes, incluíndo Asahara, que fôra finalmente capturado em Maio de 1995, assim como a apreensão de quantidades incríveis de material químico e biológico (segundo as fontes policiais, teriam preparado quantidades de sarin suficientes para matar 4 milhões de pessoas). O julgamento de Asahara, intensamente difundido não só no Japão mas pela comunicação social em todo mundo, começou em 1996 e ficou marcado pelo facto de este alegar inocência em todas as acusões, e de se recusar a falar durante todo o julgamento, inclusivamente com qualquer dos membros da sua equipa de doze advogados.
A actuação de um grupo terrorista de, assumidamente, larga escala num país como o Japão, e ainda com vários benefícios fiscais que advinham da sua classificação como instituição de cariz religioso relevou a falta de preparação da polícia para lidar com ameaças deste género, sendo hoje em dia incompreensível como se deixaram passar tantos anos a um culto que pôde assim alcançar tanto poder e tantos meios sem qualquer investigação. O interesse da polícia no grupo começou apenas no início de 1994 com os relatos dos vizinhos de instalações da Aum da emanação de cheiros estranhos, assim como do assassinato de uma repórter de investigação (Shoko Egawa) e dum membro da família de um membro que tinha abandonado o culto. Embora algumas inspecções a locais onde se estavam efectivamente a fabricar armas químicas e biológicas tenham ocorrido, o trabalho de subterfúgio e limpeza da Aum chegou sempre para disfarçar qualquer ilegalidade. Além do mais, Asahara usou essas investigações iniciais a seu favor, usando os media para denunciar as investigações como um caso de intolerância religiosa.
Estranhamente (ou talvez não, já que o famoso canibal e assassino Issei Sagawa se encontra em liberdade) este culto existe ainda hoje em dia, pese embora em forma reduzida e tendo mudado a designação, adoptando o nome de Aleph (mantendo assim a referência às suas origens ideológicas judaico-cristãs). Um grupo dissidente chamado Hikari no Wa (ひかりの輪, “anel luminoso”), surgiu em 2007. Ambos assumem ter renunciado à violência para atingir os seus fins. Em Março de 2008 foi finalmente estabelecido o pagamento de mil e quinhentos milhões de yen às vítimas dos atentados. Com, à data, 60 anos de idade, Shoko Asahara continua a aguardar a execução da sua sentença… e a concretização das suas profecias.
Hiperligações:
Underground, de Haruki Murakami: livro do famoso escritor sobre o atentado terrorista no metropolitano de Tóquio
Lord Death’s: a incursão de Asahara pelo mundo da música
Escrito por: João Mota