Loading...
ArtigosCinema

46 Okunen no Koi

Dois jovens são encarcerados no mesmo dia, cumprindo penas por crimes de homicídio não relacionados. Yun (Matsuda Ryuhei), tímido e bem parecido, é alvo previsível de desejos e abusos por parte de outros prisioneiros, mas Shiro (Ando Masanobu), frio e violento, sem pestanejar antes de enfrentar, a soco e pontapé, meia dúzia de oponentes, decide protegê-lo. Um dia, sem que nada o pudesse fazer prever, os guardas encontram Yun com as mãos em redor do pescoço de Shiro, já inerte. Como que a prever a incredulidade de todos, enquanto é levado pelos guardas, Yun assegura que foi ele quem matou Shiro. Dois detectives investigam o caso.

Miike Takeshi é conhecido como um realizador prolífero, controverso e provocador, que começou a dar nas vistas a partir de finais dos anos 90 com «Fudoh» («Gokudo Sengokushi: Fudo», 1996) e, mais tarde, com «Audition» (1999) e «Ichi the Killer» («Kuroshiya Ichi», 2001). Os seus filmes tornaram-se presenças obrigatórias em festivais de cinema fantástico e nos que dedicavam particular atenção a cinematografias asiáticas, mas chegaria a altura em que sairiam do underground para o mainstream, sendo exibidos nos “grandes” (Cannes, Veneza e Berlim), ainda que fora de competição.

A filmografia de Miike anda perto de 70 entradas — depois deste «Big Bang Love», já se seguiram meia dúzia de projectos, incluindo o seu western spaghetti, «Sukiyaki Western Django», que deverá estrear em Setembro, no Japão. Os filmes do realizador nipónico têm marcado presença também nos festivais portugueses: o Fantasporto mostrou «Fudoh», «Audition» e «Ichi», o IndieLisboa este «Big Bang Love», já comprado para Portugal. Estreou em sala um dos mais “comerciais” filmes do realizador, «Uma Chamada Perdida» («Chakushin Ari», 2003), que se juntou a «Audition» e «Ichi», disponíveis no mercado vídeo, bem como «3… Extremos» (2004), filme de horror com três segmentos, co-realizado por Miike, o chinês Fruit Chan Kwoh e o coreano Park Chan-uk.

Em «Big Bang Love», Miike opta por uma narrativa experimental, que levou Mark Schilling, no Japan Times, a notar que o realizador desmotivaria muitos dos seus habitués ao fazer o que é, afinal, um filme de “arte e ensaio”. Tal como em «Gozu» («Gokudo Kyofu Daigekijo: Gozu», 2003), estamos perante uma história de amor entre dois homens que não é abordada de forma directa. Há uma forte ligação entre as duas personagens principais, mas não se esclarecem todos os seus contornos. No entanto, tudo indica que relações entre prisioneiros terão sido o motivo da morte de Shiro.

Sem preocupações com convenções do drama prisional ou do filme de investigação, o trabalho dos dois detectives (interpretados por Renji Ishibashi e Kenichi Endo, dois regulares nos filmes do realizador) é directo e linear: fazem perguntas (que surgem em modo texto no ecrã) e vão obtendo respostas que se acumulam até à conclusão final. Não há surpresas nem espertezas, apenas um eliminar de possibilidades até que se obtenha uma confissão mais credível e sustentável do que a primeira.

Os flashbacks, por vezes repetidos, caracterizam a relação das personagens e as suas origens. Os percursos são diversos, mas ambos estão relacionados com abuso sexual — em momentos diferentes das suas vidas —, culminando em crimes de homicídio que os levaram à prisão, por coincidência, no mesmo dia. Uma dimensão simbólica é introduzida, com a caracterização do surreal exterior da prisão, onde existe uma plataforma de lançamento com uma nave espacial num lado e uma pirâmide no outro; duas escolhas possíveis ou dois destinos anunciados para as personagens, mas ambos são, afinal, realizáveis apenas no sonho ou depois da morte (o espaço ou o céu).

Não sendo de prever que este se torne o Miike favorito de muitos, por faltar a energia crua que caracteriza as obras mais populares do realizador, substituída pelo desejo de experimentação e de variação da sua linguagem cinematográfica, «Big Bang Love» é, ainda assim, uma obra intrigante que tem na sua essência uma história de amor que o espectador só pode vislumbrar nas entrelinhas, distraído por uma investigação que não serve para descobrir culpados, mas tão só para caracterizar os estados emocionais das personagens.

Nota: O título surge também como «A Big Bang Love: Juvenile» (na IMDb, mas não só), o que nos pode levar a perguntar se aquele que é mais usual não derivou de uma entrada alfabetizada que transformou um artigo indefinido numa qualquer categoria de “juvenil” (Big Bang Love: Juvenile, A). O título original significa “amor de 4600 milhões de anos” e o inglês sugere uma referência ao início da vida na Terra (ainda que a Teoria do Big Bang aponte para perto de 14 mil milhões de anos).

Autor: Luís Canau ( www.asia.cinedie.com )

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Connect with Facebook

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.