Takuro Yamashita (Yakusho) começa a suspeitar que a sua esposa recebe outro homem em casa, quando ele vai pescar, e decide voltar mais cedo uma noite. Surpreende o acto e, impulsivamente, cede ao ciúme. Na prisão, encontra uma enguia que se tornará o seu animal de estimação. Ao sair em liberdade abre uma barbearia, fora da cidade, onde se irá cruzar com uma mulher, Keiko (Shimizu) com tendências suicidas, que lhe faz lembrar a ex-esposa.
Keiko, também recuperando de uma antiga relação, com um homem mais interessado no dinheiro da mãe dela, vai querer aproximar-se de Yamashita, mas este persiste em não querer envolver-se. Entretanto, um ex-prisioneiro ameaça revelar o seu passado, e o ex-namorado de Keiko poderá arranjar problemas a ambos.
«Unagi» trouxe a segunda Palma de Ouro de Cannes a Shohei Imamura, realizador muito prolífero nas décadas de 50 e 60, mas com poucos filmes concluídos recentemente (o anterior, «Chuva Negra» data de 1987). O primeiro destes prémios foi-lhe atribuído por «A Balada de Narayama» (1982). Sendo reconhecido a Imamura excelentes retratos sociais de um Japão de desfavorecidos, prostitutas ou pornógrafos – obras consideradas mais polémicas, quanto mais para trás na sua obra nos deslocarmos («Os Pornógrafos», por exemplo, é de 1966) -, este «A Enguia» consegue ser um filme, não só acessível, como universalista, no sentido em que o cenário poderia ser outro qualquer.
Todos os países têm classes médias pobres, crimes passionais ou mulheres cujos ataques de loucura as levam a pegar em castanholas. E, supõe-se, que a maioria também tem enguias, esses peixes teleósteos de corpo longo e cilíndrico, da família dos murénidas.
Yamashita parece não estar arrependido do castigo que infligiu na mulher infiel, mas a realidade é que esse acto violento do passado lhe pesa na consciência, e é por isso que tem receio da proximidade de outra mulher que ama. O passado não pode ser apagado, mas talvez se possa corrigir o presente, e podemos questionar-nos se Yamashita deseja Keiko apenas porque lhe recorda, inicialmente, a sua ex-mulher e se a possível relação não passaria da sua redenção por pecados do passado. O ciúme é um tema central.
É bastante relevante que Imamura mostre dois actos sexuais, entre as duas mulheres de Yamashita e outros homens, e que as consequências de ambos – ainda que em contextos radicalmente diversos – venham a ter reacções opostas. O ciúme também pode partir dos complexos quanto à virilidade. Veja-se a provocação do antigo presidiário. E por aí podíamos integrar uma das vertentes da simbologia do ser que dá o título ao filme, como uma espécie de extensão psicológica da sua interiorizada inferioridade. Vencida essa barreira, essa “extensão” torna-se desnecessária. E, ao contrário do que se podia pensar, as enguias do Japão parecem ser muito maiores do que as europeias.
De um prisma simbólico menos sexual – mas o filme afirma-se profundamente sexual -, Yamashita sai de uma prisão para outra, porque permanece enclausurado no ciúme e na culpa daí resultante, em que a enguia vem ser uma espécie de carcereiro. Ilustre-se, de entre as sugestivas sequências de sonho, aquela que o mostra a correr de um lado para o outro, reduzido, dentro do aquário, sob o olhar da mascote.
Autor: Luis Canau (www.asia.cinedie.com)