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Hana to Alice

“Hana Arai” (Anne Suzuki) e “Setsuko Arisugawa Aka Alice” (Yu Aoi) são colegas de escola e grandes amigas. Certo dia, num devaneio de adolescente próprio dos 15 anos que ambas possuem, “Alice” leva “Hana” numa viagem de comboio, com o objectivo de espiarem um estrangeiro com boa aparência, acompanhado de um jovem japonês que presumem ser o meio-irmão mais novo, ou alguém aparentado. Meses depois, “Hana” começa o ensino secundário e no liceu encontra o jovem japonês que se chama “Masashi Miyamoto” (Tomohiro Kaku). A rapariga apaixona-se e começa a seguir o seu amor, até ao dia que o vê bater com a cabeça contra uma porta de metal e desmaiar. Quando “Miyamoto” acorda, “Hana” aproveita a situação e afirma que é sua namorada. O rapaz fica surpreendido, e “Hana” fá-lo crer que ficou com amnésia devido à pancada.

Apesar do seu cepticismo, “Miyamoto” embarca na jogada até descobrir umas fotos no computador de “Hana”, que foram tiradas numa altura em que supostamente não eram ainda namorados. Apanhada no seu embuste, a rapariga mente e conta ao rapaz que as fotos foram tiradas por “Alice”, supostamente um ex-relacionamento do jovem. “Miyamoto” tenta travar conhecimento com “Alice”, e através da convivência entre ambos, aquela apercebe-se que nutre sentimentos pelo rapaz. Um triângulo amoroso toma forma.

Quer se aprecie o estilo ou não, é forçoso reconhecer que Shunji Iwai é daqueles realizadores que possui uma facilidade tremenda em dotar simples histórias do quotidiano com grande profundidade. No caso específico do realizador japonês, esta premissa assume especial acuidade quando se trata da juventude nipónica, como é bem exemplificado com “All About Lily Chou-Chou”, e este filme que agora se irá tentar analisar. Começando por tomar forma em três curtas-metragens, dedicadas à publicidade do chocolate “Kit Kat” e onde era focado os dissabores amorosos de duas amigas que se apaixonavam pelo mesmo rapaz, Iwai viria a acrescentar hora e meia de película, de maneira a dar corpo a um filme com pouco mais de duas horas. Não enveredando por alguns dos caminhos outrora prosseguidos no já mencionado “All About Lily Chou Chou” (que futuramente com certeza merecerá um texto neste espaço), Iwai decide adoptar em “Hana and Alice” uma perspectiva mais inocente e leve dos jovens japoneses, deixando de parte aspectos como a reflexão cultural acerca da sociedade nipónica, ou um aspecto que sempre existiu e que actualmente parece estar na moda. Falo do propalado “bullying”.

À partida, “Hana and Alice” parece ser um simples conto de adolescentes em transição para o liceu, onde estão presentes as suas amizades, amores, relação com os pais e demais aspectos próprios da idade. No entanto, estamos a falar de um filme de Iwai, portanto haverá sempre de esperar algo que não seja aparentemente tão redutor ou comum. Iwai demonstra, à partida, ter dedicado especial atenção a esta obra, não apenas realizando o filme, mas também escrevendo o argumento, tomado conta da sala de edição e compondo uma excelente banda-sonora. É certo que “Hana and Alice” não é dotado de grandes filosofias, ou reflexões sobre os aspectos que incide. Contudo, é uma obra delicada como uma pétala de uma rosa, que pretende expôr o quão forte são as paixões dos jovens e o quanto necessitam de acreditar em algo, mesmo que seja uma mentira ou um sonho inatingível. É por esse motivo que, a título meramente exemplificativo, as maquinações de “Hana”, no sentido de conquistar “Miyamoto” não soam a nada de malévolo, mas sim à luta de uma jovem no sentido de procurar a felicidade e o bem-estar. As vidas das raparigas são abordadas, não apenas no campo da relação que mantêm uma com a outra e de ambas com “Miyamoto”, mas igualmente com o meio envolvente nos quais se destaca claramente a família e por vezes até uma perspectiva de carreira profissional futura. Tudo decorre com uma presença realista, que faz com que o espectador se identifique e entenda muitas das situações que “Hana” e “Alice” vivenciam. Alie-se esta forma de narração e filmagem a uma constante atmosfera quase mágica onde a trama decorre, e temos uma obra que verdadeiramente se pode apreciar com um espírito de serenidade. “Hana and Alice” possui efectivamente uma cinematografia belíssima e que nos embrenha no abraço terno da história.

As actrizes fazem um trabalho muito apreciável, conseguindo momentos de boa representação e genuína expressão sentimental. Anne Suzuki consegue enfatizar uma “Hana” insegura, que ora age racionalmente, ora se deixa libertar pelos seus desejos mais recônditos e que dirige para “Miyamoto”. No rapaz, consegue extravasar a sua real personalidade, de pessoa carente e que não tem pejo em embarcar na mentira (perdoável) só para obter a felicidade e algum reconhecimento. Por sua vez, Yu Aoi, na pele de “Alice” (um diminutivo de “Arisugawa” – “Arisu”=”Alice”), tem momentos de autêntico brilhantismo, cujo expoente muito provavelmente será a memorável actuação de cinco minutos de “ballet” no epílogo da película. No bom trabalho das actrizes, caberá talvez, de uma forma contraproducente, um dos calcanhares de aquiles de “Hana and Alice”. Aoi consegue se sublimar de certa forma perante Suzuki, pois esta obra é mais “Alice” do que “Hana”, gerando por vezes algum desequilíbrio narrativo.

“Hana and Alice” pecará eventualmente por ser um filme talvez demasiado longo, para o que se pretende transmitir. No entanto, possui predicados inolvidáveis, que quase todos apreciarão. É um filme honesto e sincero, que expõe de uma forma cativante os anseios da adolescência, fazendo com que o espectador se identifique facilmente com as situações vividas ou os sentimentos explanados. Tudo sem qualquer pretensiosismo, grandes dramas ou “truques de algibeira”. É na descoberta da pureza que muitas vezes temos a percepção e necessária compreensão das atitudes dos mais jovens, e chegamos aos seus corações. “Hana and Alice” é um filme que navega naquelas águas, e qualquer tentativa de procurar explicações transcendentais para problemas simples, será meio caminho para passar ao lado desta longa-metragem. Junte-se a este aspecto, uma fotografia de sonho e seremos obrigados a admitir que vale bem a pena dar uma oportunidade ao visionamento de mais uma obra de um realizador que já deixou uma marca profunda no espectro cinematográfico japonês. No fundo é uma película bastante madura que aborda de certa forma, precisamente, a imaturidade.

Confiram!

Autor: Jorge Soares

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