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Laputa

Um dirigível é atacado por piratas do ar. Sheeta (Yokozawa), uma rapariga adolescente ali detida, aproveita a oportunidade para se libertar dos seus captores, mas vê-se entre a espada e a parede, pois as visitas não estão propriamente interessadas em ajudá-la, e acaba por se precipitar na direcção do solo. Cá em baixo, numa pequena comunidade mineira, Pazu (Tanaka) vê uma estranha luz a dirigir-se para o chão, mesmo na direcção da mina onde trabalha. Mais tarde, os dois miúdos vêem-se obrigados a fugir de vários grupos com interesses próprios: piratas, agentes do governo e militares. Todos estão interessados em Sheeta e na pedra preciosa que traz consigo e que julgam ser a única chave para descobrir a localização de uma mítica cidade que flutua nos céus: Laputa.

«Tenku no Shiro Laputa», conhecido internacionalmente como «Laputa: Castle in the Sky» ou pelo mais recente título Disney, preocupado com a sensibilidade da vasta comunidade hispânica nos EUA, que levou à queda (trocadilho não intencional) de “Laputa” [1], ficando apenas «Castle in the Sky», é o primeiro filme a ser produzido no Studio Ghibli, edificado para fazer face à necessidade de manter um conjunto de profissionais de animação com formação adequada para longas-metragens animadas de grande qualidade, na sequência da anterior obra de Miyazaki Hayao, «Kaze no Tani no Nausicaä» [Nausicaä of the Valley of the Winds]. Em «Laputa» estamos mais no âmbito do clássico filme de acção e aventura, com alguns pontos de contacto, a nível de sensibilidade e concepção narrativa, com «Lupin III: Cagliostro no Shiro» [Castle of Cagliostro] (1979) e «Kurenai no Buta» [Porco Rosso] (1992). É neste trio de filmes que mais facilmente podemos identificar “heróis” e “vilões”, com correspondência em protagonistas e antagonistas, ainda que Curtis do filme de 92 não tenha a mesma relevância com o agente do governo, Mushka (Terada), ou Cagliostro, duas personagens, aliás, com grandes semelhanças físicas e de personalidade.

Inspirado num dos segmentos d’ “As Viagens de Gulliver” de Jonhattan Swift, que o herói passa em Laputa, a cidade voadora, para a concepção dos cenários e da pequena cidade mineira, Miyazaki baseou-se numa viagem de pesquisa ao País de Gales. Este é, assim, um dos títulos do realizador que constrói uma “Europa mítica”, baseada em paisagens e arquitecturas reais, mas transformados de acordo com uma visão artística peculiar, que, de um modo geral, se consubstancia numa realidade alternativa, normalmente com semelhanças a um passado que nós conhecemos. Tendo em conta esta divisão – talvez redutora – os filmes de Miyazaki seriam arrumados em dois grandes grupos: a «Laputa», juntar-se-ia «Porco Rosso», «Majo no Takkyubin» [Kiki’s Delivery Service] e «Castle of Cagliostro». Do lado das obras mais enraizadas na cultura e mitologias japonesas, ficam «Nausicaä» (1984), «Totoro» (1988), «Mononoke Hime» (1997) e «A Viagem de Chihiro» (2001).

Como é típico da cinematografia de Miyazaki Hayao, os protagonistas definem o principal público-alvo dos filmes, e «Laputa» poderia ser categorizado como aventura infanto-juvenil, particularmente adequada para crianças a partir dos dez ou doze anos, ainda que não tenha elementos particularmente “nocivos” para menores dessas idades. Pelo menos por cá acho que poucos discordarão, mas já li opiniões de quem tivesse considerado que o filme era demasiado violento para ser mostrado a criancinhas pequenas. Não é, na minha opinião, adequado a cidadãos juniores que ainda não dominem a leitura, sobretudo por ter alguma complexidade narrativa, já que a violência não é de particular impacto.

Os protagonistas são similares a outros heróis presentes nos filmes do realizador e animador japonês, sem que seja vincada a habitual separação entre o rapaz e a rapariga – ele forte, ela a dama em perigo e a precisar de salvamento –, até porque se continua a tratar de crianças e não de adultos em miniatura. As mulheres criadas por Miyazaki são sempre personagens fortes e determinadas, ainda quando não são as protagonistas. Sheeta encontra-se numa posição fragilizada: é orfã, está sozinha e é perseguida por indivíduos mal intencionados, tanto criminosos como o próprio governo. É, portanto, natural que em alguns momentos, Pazu, o novo amigo e aliado, surja como uma espécie de protector, mas mantém-se afastado do “herói de acção” tipificado, que tudo consegue resolver e que tudo sabe. Sendo ainda um miúdo, naturalmente inseguro, a actuação de Pazu depende em parte da motivação e dos conselhos de adultos (ainda que sejam piratas). Pois um “coração puro” dificilmente consegue, por si só, ultrapassar todos os obstáculos, numa narrativa que se quer credível e minimamente inteligente, evitando limitar-se aos mecanismos narrativos de um cinema infanto-juvenil, que usa o baixo escalão etário da sua audiência principal para simplificar, banalizar e superiorizar a mensagem (moral) sobre a história que apresenta.

Não sendo o melhor dos filmes de Miyazaki Hayao, «Tenku no Shiro Laputa» é uma bela história de aventuras que pode ser apreciada tanto por crianças como por adultos, e conta, como não podia deixar de ser, com algumas sequências de animação brilhantemente executadas, a que se acrescenta uma concepção mecânica de toda a espécie de máquinas voadoras (uma das paixões do realizador), levada ao mais rigoroso pormenor, que facilmente nos embrenha em todos os elementos deste mundo retro-futurista.

[1] Conforme referido na cobertura ao Festival de Sitges de 2002, o público espanhol ria-se sonoramente nas primeiras vezes que o termo surgia escrito no ecrã, mas não me parece que alguém se tivesse sentido ofendido. O nome do filme já estava no programa, pelo que nos podemos perguntar porque é que o público não riu tudo antes da projecção.

Autor: Luis Canau

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