Apenas cinco meses depois da estreia de “Monsters Club”, cuja review pode ser encontrada neste site, Toshiaki Toyoda estreia “I’m Flash”, um filme filmado in loco em Okinawa fugindo ao artificialismo do estúdio e criando uma fotografia mais vívida trabalhada por Shigemori Toyotaro (o mesmo Director de Fotografia de “Monsters Club”).
Devido ao facto da narrativa ter imensos elementos que vale a pena analisar, esta Review dividir-se-á em 3 subcapítulos: “Análise Geral”, “Religião Para os Personagens” e “Semelhanças entre Monsters Club e I’m Flash”.
~ Análise Geral ~
Negro. É este o primeiro plano de “I’m Flash”, acompanhado por uma música que nos lembra o religioso. Uma luz aparece ao fundo, lentamente dando lugar a água. Será este um símbolo de nascimento? Conforme o plano se alonga, a batida começa a tomar a forma de um rock ligeiro que rompe a harmonia inicial. O plano embranquece. O som das ondas mistura-se com o de um carro. Estamos na estrada. Vemos dois jovens (Tatsuya Fujiwara e Kiko Mizuhara) divertidos dentro de um carro vermelho (cor da paixão).
Dentro de uma casa, um jovem prepara-se para ir entregar um DvD alugado à loja. Conforme liga a mota ouvimos uma batida forte de rock (apressada, rebelde e que tal como os personagens não sabe o Futuro, focando-se apenas na inconsciência da Juventude). Também este personagem parece não ter medo da morte, um erro que lhe custará caro. Numa montagem paralela vemos um carro e uma mota em rota de colisão. Isto inquieta o espectador. Sabemos o que vai acontecer mas nada podemos fazer para o evitar. Os dois veículos entram num túnel, é agora.
No entanto, em vez de nos mostrar planos de violência e tragédia, Toyoda faz algo exímio. Ele mostra-nos… Silêncio (deixa apenas o som do vento que leva os espíritos). O “som” da Morte. A morte não é algo ruidoso mas sim o vazio que fica. Toda a felicidade e euforia que estava a ser vivida é agora um nada. Uma inexistência. Um momento de relaxamento, o momento simples e “rotineiro” de ir levar um DvD, que termina com algo tão complexo como a vida (uma chamada de atenção a todos nós).
O plano negro dá lugar a peças de mota espalhadas pelo chão, um corpo sem vida despedaçado e ensanguentado jaz ao lado do veículo. A apenas alguns metros de distância, vemos o carro. O condutor está vivo, em choque com a cena que tem perante ele. “A vida é curta… Surpreendentemente curta.”
À semelhança do que acontece em “Monsters Club”, o realizador começa por nos dar uma opinião. A questão da Liberdade transforma-se numa discussão sobre o sentido da vida. Uma base que será trabalhada tanto por personagens como por nós, espectadores.
Ao som do Shamisen entramos numa viagem que nos introduz a três novos personagens. É interessante ver como o realizador os caracteriza através de algo tão simples quanto uma refeição, variando o local, a música e o seu comportamento perante o que os rodeia.
O primeiro, Kamimura (Shigeru Nakano), um homem nos seus quarentas está num restaurante tradicional, onde lhe servem sopa de cabra, ouvindo uma música romântica. No mesmo restaurante ficamos a saber que o personagem não é de Okinawa quando dois homens começam a fazer troça do seu “sotaque”. Já no final da cena, ele recebe um telefonema e podemos ver que prefere o modo de vibração ao típico toque ruidoso (pelo menos em restaurantes).
O segundo é Shuku (Kento Nagayama), um homem nos seus vintes com uma roupa bastante casual vai a um restaurante que se assemelha aos dos anos 50 onde lhe servem tacos e cerveja mostrando um espírito mais novo. A música é igualmente um rock que lembra o dos anos 50. Também ele recebe um telefonema e mesmo estando num restaurante mantem activado o som, com um toque bastante audível.
O último, Shinno (Ryuhei Matsuda), um homem à volta dos 30, veste um fato e está num restaurante mais pequeno, sossegado e reservado (não há qualquer música, apenas o som da televisão e da ventoinha). Enquanto come lê um jornal com a fotografia do personagem que conduzia logo no início do filme. Descobrimos que este é um Guru bastante popular e pelo programa de televisão que está a ser emitido vemos que se gaba de conseguir controlar as pessoas, entre outros feitos “milagrosos”. Shinno parece não estar minimamente interessado no que vê.
O guru fala ao seu público afirmando que o medo da Morte leva a maus hábitos, ansiedade, problemas e sofrimento. “Relembrem o quão apaziguados os mortos parecem. A Alma continua a viver. O que teme é a perda do que vê como sendo você. Mas você não existe, é tudo externo. (…) Morte é a derradeira salvação. A Vida é Maravilhosa.” Em suma, é isto que caracteriza o personagem. Mas porque terá Toyoda escolhido uma caracterização tão pobre em relação aos outros personagens que aparentam ser secundários?
Regressando a Shinno, ele recebe o esperado telefonema, igualmente usando o modo de vibração. No entanto, ele não se identifica e apenas responde com um “Olá?”. Isto pode transparecer que o personagem não socializa e que se manterá reservado durante o filme, uma mistura entre a maturidade do primeiro personagem e a juventude do segundo.
Seguimos o personagem numa viagem de carro ao som de um rock ligeiro até uma Mansão, a Mansão do Guru. Um edifício branco onde vemos pessoas também vestidas da mesma cor. Em termos de arquitectura, observamos que a Mansão recupera os traços da arquitectura grega ao mesmo tempo que se mistura com traços de uma arquitectura ocidental moderna.
Shinno é encaminhado para uma sala onde reencontramos Kamimura que o cumprimenta animadamente, sem obter resposta. Mais uma vez, vemos a personalidade reservada do personagem, que decide sentar-se numa mesa sozinho. Pouco tempo depois chega Shuku. Kamimura cumprimenta-o com menos animação e Shuku responde de volta. Este último reforça ainda a sua rebeldia ao tentar fumar dentro da casa. E por sua vez, Kamimura mostra que se tornará numa espécie de mentor, proibindo o jovem de fumar ali.
Na divisão vemos livros e panfletos que se referem ao Guru, frases que tentam convencer qualquer céptico de que o caminho certo se encontra ali.
Cortamos para o hospital onde a rapariga do início está internada devido às lesões no córtex cerebral que a deixaram num estado de coma sem previsão de melhora. Com ela está o Guru. O médico aconselha-o a falar com ela, tratando-a pelo nome de forma a estimular o cérebro mas, de forma fria, ele refere que nunca soube o nome dela. Estará ali por pura culpa? Ou será que sente por ela algum tipo de afectividade?
De volta à Mansão, um homem distribui contractos e o pagamento correspondente a um mês pelos três homens. Ficaremos finalmente a descobrir qual o seu propósito? Proteger o Mestre Rui, o Guru. Kamimura questiona o que acontecerá caso falhem mas o homem limita-se a dizer “parece óbvio”. Estes não são Seguranças normais (transparecem um lado mais negro que o usual) e, para além disso, o realizador diz-nos subtilmente que Rui não é tão insignificante quanto pode parecer. A sua influência é tão grande que corre perigo de vida.
De uma conversa tanto ou quanto macabra, passamos para um local ainda mais macabro. Rui reza numa capela que reforça a ideia inicial de que a Morte é Liberdade. As caveiras que a adornam parecem gritar em agonia e sofrimento. No altar, em lugar do típico santo ou figura religiosa, temos uma caveira que aparenta ser diferente das restantes.
De volta ao exterior, Rui pega num arpão, num equipamento básico de mergulho e acompanhado de uma música instrumental de transe vai até à praia. Aqui o realizador faz algo interessante mostrando a verdade por detrás do filme e do culto, ao mesmo tempo que reforça uma ideia já apresentada. A cena que começa por ser tranquila (onde Rui nada no Oceano por entre os peixes) acaba bruscamente quando ele arpa um dos peixes. Novamente, a morte aparece de súbito num ambiente que em nada a previa. No entanto, ao contrário do acidente de mota que ele esconde, Toyoda faz questão de mostrar o peixe a ser morto (o filme começa a ganhar uma maior dimensão de violência).
Quando ele regressa a casa vemos o trio de seguranças, agora em roupas mais casuais, que procura pelo seu Mestre. Estando este agora em segurança, o trio aproveita para almoçar e entramos numa espécie de síntese do que aconteceu até agora. Shuku não entende como é que um homem mata alguém, deixa outra pessoa em coma e nada lhe acontece (parece algo vindo da máfia e isso mostra o verdadeiro poder de Rui).
Aos vinte e quatro minutos de filme conhecemos mais uma personagem. Uma mulher de personalidade agressiva e fria, Sakura, interpretada por Mayu Harada, chega acompanhada de uma criança (a única pessoa que trata carinhosamente). Assim que entra procura imediatamente por Rui, entrando no quarto de rompão e insultando o protagonista, furiosa com o facto do irmão se ter envolvido num acidente que arruinou a imagem do culto. Em resposta, o personagem limita-se a pegar no seu equipamento e dirige-se apressadamente para a praia, deixando apenas escapar que irá dissolver o culto. A irmã ressalva que o culto foi criado pelo seu avô, é um “negócio de família”.
Embora pareça ameaçadora, esta personagem torna-se patética algo que é reforçado quando ela vai para o meio da areia de saltos (fazendo-a andar comicamente) e quando ao passar pelos seguranças estes não se desviam, o que seria lógico sendo ela irmã do Mestre.
Estamos num bar, ouvindo uma batida de rock mais alegre. Rui passa o seu tempo a divertir um trio de raparigas quando a mulher que o acompanhava no carro no início do filme aparece. Ele vai ter com ela, apresentando-se. Regressamos momentaneamente ao Passado, algo que acontecerá frequentemente a partir deste momento talvez reflectindo o que preenche o pensamento de Rui.
A jovem sabe quem ele é e mostra-se interessada em conhecê-lo melhor. Os dois saem de carro e somos apresentados com uma música novamente atípica. Os dois estão a conhecer-se e a divertir-se, no entanto, a música é composta por sons aparentemente aleatórios e nada harmoniosos ao ouvido transmitindo ideias de confusão.
Usando pequenos truques de magia Rui acende um cigarro e tenta impressionar a companhia. Embora pareça divertida, acaba por atirar o cigarro do protagonista pela janela de forma um pouco violenta. Aos poucos começa a mostrar o seu verdadeiro propósito: culpa Rui pela morte da irmã, uma devota do culto. O protagonista pensa que ela o está a subornar mas rapidamente percebe o verdadeiro intuito.
Regressando ao Presente, Rui é visitado pelo irmão (interpretado por Yukiya Kitamura), um homem que usa operações plásticas e roupas de mulher adornadas com folhas para se aproximar de Deus. Kaoru, o seu novo nome enquanto mulher, aconselha Rui a ter cuidado com as suas decisões. Embora se mostre o único realmente preocupado com os sentimentos do irmão, avisa-o que irá perder a fonte de rendimento não apenas dele como da família. Mas mais do que isso, Kaoru revela um segredo obscuro. O crânio que vimos no altar, é afinal o crânio do seu pai, cujo à semelhança do crânio do avô tem a marca de um tiro. Indirectamente alerta o irmão que alguém não o deixará dissolver a Igreja tão facilmente, custe o que custar.
Depois de uma pequena narração que começa aqui a ganhar um tom mais sério do que inicialmente, vemos o Trio e Rui passearem na praia. Sentir-se-á finalmente ameaçado?
De regresso à Mansão, o protagonista é atacado por um individuo armado que milagrosamente falha o alvo, acabando morto pelo trio. Esta morte transporta Rui novamente para o Passado.
Ao contrário do que acreditámos até aqui ela não deseja a morte de Rui, pelo contrário. Uma vez que, não acredita na vida para além da morte, deseja que ele viva e que sofra com as mortes que causou, incluindo a dela. Ao mesmo tempo, implora-lhe por ajuda, não quer estar sozinha.
No Presente, vemos um personagem mudado por um evento causado pela sua imaturidade e irresponsabilidade. O jovem que nada temia e que não se preocupava com os que o rodeavam começa agora a sofrer com o sofrimento do outro, incapaz de seguir em frente, colocando tudo em causa (finalmente vê a luz, ideia reforçada pela luz “divina” que cai sobre ele no altar, ideia de purificação).
No exterior da Mansão, o homem que anteriormente contratara o trio vem buscar Rui para se encontrar com a mãe. Esta está furiosa embora não o mostre. Embora fale num tom calmo, vemos no seu olhar e mais tarde nas suas acções que para ela só existe um caminho a seguir e quem estiver no meio será eliminado.
Por muito que Rui defenda o culto como uma farsa, algo que em vez de salvar pessoas as coloca em perigo, a mãe (Michiyo Ookusu) deixa claro que elas seguem qualquer líder. “Mesmo que desistas, a Igreja não vai a lado nenhum.” As pessoas têm a necessidade de se juntarem a estes cultos, mais vale que se unam ao seu.
No final da conversa, e com uma trovoada como música de fundo, ela afirma que um vínculo com Deus é mais poderoso que um vínculo entre pais e filhos. Quando pensávamos que esta frase seria apenas um comentário infeliz, descobrimos que no exterior da casa o Braço Direito instrui o trio para assassinarem Rui. Terá sido esta a razão por detrás da contratação dos seguranças? Estaria a mãe a preparar-se para resolver de uma vez por todas os problemas que o filho trouxera à sua casa?
Rui sai de casa e aproxima-se do carro, seguido por Kaoru que o aconselha a fugir. Ele é de facto o único que sente algum tipo de afectividade pelo protagonista. Ao contrário da mãe, que já faz planos para o neto: um pequeno Harry Potter (jovem, mágico e famoso).
Ironicamente, quando regressamos à Mansão de Rui, vemos o trio limpar as armas. Shuku mostra-se perturbado com a ideia de uma mãe mandar matar o próprio filho. No quarto, Rui afia o arpão. Terá ele percebido o que lhe espera?
De volta ao carro, a rapariga tenta escolher qual a forma de se suicidar. Deverá atirar-se de uma ravina? Rui não quer saber, não se importa com o facto de poder morrer. Finalmente é honesto consigo mesmo: “Quando seguimos em frente, tudo parece igual e acabamos por nos achar melhor que os outros. Perdemos a chance de fazer algo”. Ele poderia ter mudado o rumo à sua vida mas desperdiçou todas as oportunidades porque era mais fácil não confrontar a sua realidade. “Que tal morrermos juntos? Atirarmo-nos ao Oceano.”
Na praia, o trio tenta decidir quando completará a sua tarefa mas Rui chega do mar com mais peixe e acabam por come-los juntos. Durante a refeição o protagonista refere que quando matamos o peixe com um arpão, a sua morte rápida não o deixa entrar em stress e a carne sabe melhor. Shinno pergunta-lhe se o mesmo acontece com as pessoas (pergunta irónica). Entrarão melhor no Paraíso se não sofrerem? Em resposta Rui afirma friamente que não existe Paraíso, enchemo-nos de euforia e depois desaparecemos.
Depois de uma conversa que por mais banal que pareça está cheia de pequenos momentos de provocação, o grupo vai até uma ravina e Rui chega-se mesmo à ponta talvez incentivando os assassinos a agir. No entanto, a hesitação do trio (talvez provocada pela Moralidade e Ética de cada um deles) acaba por fazê-los perder a oportunidade. O protagonista regressa e convida-os a jantar.
Ao som de uma música que deixa transparecer mistério, os três homens chegam à capela. Rui prepara-se para se encontrar com eles levando consigo o seu arpão. Estará ele a caminhar para mais uma “caçada”?
Lá dentro, o cultista informa que aquela capela é usada como sala de refeições em dias especiais. É aquele um dia especial? Estaremos quase no clímax do filme? Em adição, Rui apresenta-lhes a caveira do altar como sendo o seu pai. Convida a um brinde. Mas um brinde a quê? Kamimura sugere “à Saúde e Prosperidade”. Shuku tem outra alternativa, que tal brindar ao lema do culto “A Vida é Maravilhosa.”
Vindo do nada e surpreendendo o espectador, Rui dá um tiro em Shuku e a confusão instala-se, acompanhada por uma batida mais veloz. No tiroteio Kamimura é ferido, deixando Shinno encarregue do cultista, entretanto baleado no peito.
Tentando fugir, Rui pega no arpão, corre para a praia e consegue escapar ao assassino mergulhando no Oceano. Estamos perto do fim. Terá Rui morrido devido à ferida? Ou conseguirá escapar?
Viajamos uma última vez ao Passado. Após Rui decidir que quer morrer, a rapariga pára o carro e deixa-o sair. Perdeu o seu objectivo. No entanto, o protagonista acaba por convencê-la a deixá-lo conduzir.
Mas esta viagem não será como as outras. Os dois tempos, Presente e Passado, misturam-se e caminham juntos pela primeira vez no filme através de uma Montagem Alternada acompanhada de uma música lenta e melancólica.
Quando o dia amanhece, Shinno procura Rui num pequeno barco. Este está numa pedra e apressa-se a saltar para dentro de água novamente, iniciando um último confronto cuja tensão é reforçada pelos flashbacks de um carro do passado em excesso de velocidade e em rota de colisão com uma mota. Mais uma vez a morte apressa-se contra Rui.
Os raios de sol conseguem escapar por entre as nuvens como uma metáfora às portas do Paraíso. A narração que começa com a voz da rapariga mistura-se com a de Rui que termina o mesmo pensamento.
No Passado os dois encontram-se dentro do carro com um beijo enquanto caminham para a Morte. No Presente, os dois encontram-se conforme Rui se aproxima da Morte e a rapariga parece acordar do Coma.
Quando Shinno consegue finalmente assassinar Rui, a música termina. O tal momento de euforia, transmitido pela música, que acaba no desaparecimento de alguém. Ao mesmo tempo, a rapariga termina também o seu caminho e regressa ao mundo dos vivos.
O filme podia acabar aqui. A última visão de Rui é a água límpida do Oceano. Curiosamente a mesma que vemos no início do filme. O Ciclo da Vida: inicialmente a água como nascimento e depois como morte.
Tal como o protagonista afirmara antes, “depois da morte tudo continua”. Os pássaros continuam a cantar e no caso dos personagens, a sua vida continua praticamente inalterada. Rui, que inicialmente tem um papel de foco, torna-se numa personagem fantasma cuja importância desvanece repentinamente. Já não pensamos nele.
O homem que inicialmente contratara o Trio paga agora aos dois sobreviventes. Kamimura convida Shinno a uma última bebida mas este recusa, mantendo a posição reservada e solitária do início, deixando o “mestre” beber sozinho com Shuku, o rapaz que não queria envelhecer.
~ Religião Para os Personagens ~
Rui inicialmente parece devoto à sua religião mas começa a distanciar-se da mesma. Durante a curta viagem de carro que faz com a rapariga que conhece no bar acaba mesmo por afirmar que a Religião gere imenso dinheiro porque as pessoas estão sempre à espera que alguém lhes diga o que fazer em vez de acreditarem nelas próprias chegando mesmo a afirmar que “a chave para a vida reside em nós próprios”. O personagem usa apenas a religião em momentos de pressão. Usando o mesmo exemplo, assim que a rapariga o culpa pela morte da irmã, Rui começa automaticamente a tentar explicar o que aconteceu pelo seu culto mesmo depois de o ter minimizado minutos atrás.
Para a Rapariga, a religião é algo perigoso, responsável pela morte da sua irmã, uma jovem com problemas que foi mal encaminhada. Ela não tinha de morrer e se não fosse pela religião que seguia nada teria acontecido. Uma das suas frases resume tudo: “Deus é a derradeira ameaça”.
Shuku começa como um não crente que se vende às ideias do culto dirigido por Rui. Durante uma cena vemos que lê o livro do cultista enquanto defende em conversa com Kamimura que a obra o ajudou a encontrar a resposta ao mistério da vida e da morte. Ironicamente aconselha-o ao parceiro uma vez que morrerá antes dele.
Completando a ideia de cima, Kamimura acredita que depois da morte não existe nada, parecendo mudar de ideias apenas no final quando diz a Shinno que irá beber um copo com “aquele jovem no Paraíso”, deixando até Shinno surpreendido.
Shinno, embora nunca diga frontalmente a sua opinião, mostra que não acredita em religiões. Durante uma conversa com Rui ele afirma que “a vida não é suposto ser divertida”, apenas a vai vivendo (ou sobrevivendo?). “Os Vivos têm de se esquecer dos Mortos.”
Os únicos personagens que parecem partilhar a mesma opinião são Sakura e a Mãe o que torna ainda mais visível a manipulação sofrida pela filha. Embora Sakura signifique “flor de cerejeira”, algo tradicionalmente ligado à delicadeza, podemos imaginar a educação rígida por que passou. Para o duo, o culto (e a religião em si) nada mais é que uma fonte de rendimento, um negócio que tem de ser protegido a todo o custo.
Kaoru, o irmão de Rui que optou por mudar de sexo afirma que as operações plásticas e o vestuário ligado à mulher e à Natureza o aproximam de Deus, procurando a tranquilidade.
~ Semelhanças entre Monsters Club e I’m Flash ~
Tanto “Monsters Club” como “I’m Flash” começam com Morte. No primeiro através não só do Inverno em si como pano de fundo mas também através das bombas, no segundo através do fundo do mar e da música que pode ser interpretada como música de “funeral”.
Ambos são uma reflexão sobre a importância da Liberdade e do Sentido da Vida (levamos a vida como se ela fosse eterna e chocamo-nos quando nos deparamos com a morte). Mais uma vez, reforça a ideia que a derradeira liberdade está na Morte. Juntos, os dois filmes complementam-se.
A Narração em “I’m Flash” torna-se repetitiva e vazia, um pouco como muitos discursos religiosos. Em “Monsters Club” o narrador (igualmente o protagonista) tenta-nos fazer entender o seu ponto de vista e obriga-nos a pensar por nós próprios. Pelo contrário, em “I’m Flash” o discurso inicialmente aparenta guiar-nos à reflexão mas acaba por indicar um só caminho (ele “vende” uma ideia). Isto apenas muda a meio do filme conforme Rui começa a mudar e a tornar-se mais sério, a amadurecer, algo que se reflecte no seu discurso.
Em suma, o título “I’m Flash” é um resumo da ideia principal do filme: a vida acaba repentinamente, quando menos esperamos e nada sobra dela. Um filme que em conjunto com “Monsters Club” formam uma espécie de Duologia que procuram obrigar o espectador a sair do Cinema e reflectir sobre a sua própria existência. Qual a nossa concepção de Vida? E de Morte?
Escrito por: Ângela Costa