Desde sempre que a animação tradicional japonesa tentou construir e desconstruir-se a cada passo que dava. Desde técnicas narrativas, a diferentes expressões gráficas esteve (e possivelmente ainda estará) sempre na vanguarda da expressão cinemática.
Para quem não está familiarizado com os termos fica aqui uma sintética explicação: 3D/CG (Three Dimensional Space, o universo físico/Computer Graphics, imagens criadas usando computadores). Este tipo de animação é para muitos considerado como a antítese da animação tradicional, a animação por computador tem marcando cada vez mais a sua presença.
Assim sendo este artigo pretende desmitificar um pouco este assunto de um ponto de vista pessoal e como tal bastante parcial, mas penso que vos seja interessante.
Em 1983 estreia Golgo 13/ゴルゴ13, um filme tradicional no que toca a sua execução com a excepção de uma sequência do filme. Contém uma sequência completamente em Computação Gráfica.
O investimento foi elevadíssimo para produzir uma sequência que pretendia revolucionar o panorama da animação. Falamos de uma época que para produzir este tipo de conteúdo era necessário recorrer a
engenheiros de computação gráfica e a computadores de calibre reservado à investigação laboratorial.
As perspectivas são arrojadas e cheias de dinamismo mas falta de continuidade entre a animação e o CG eram óbvias e se repararem bem no fim da sequência a única coisa em comum é o facto do helicóptero ser verde!
No ano seguinte, em 1984 veríamos um upgrade a esta técnica mas ainda de uma forma bastante primaria.
Em Galatic Pratol Lensman /GALACTIC PATROL レンズマン a sua intro é totalmente criada em CG. O verdadeiro do problema do CG era a sua integração com a animação tradicional (em vários aspectos, desde ao aspecto visual à própria animação). A sua utilização não era o que estava em questão.
Mas antes demais, o porque de usar CG?
Qualquer artista face a uma nova técnica enfrenta uma questão semelhante, porque utilizar uma técnica nova que normalmente ainda esta pouca desenvolvida (logo causa mais problemas do que gera soluções) quando pode usar uma técnica que apesar de antiga e trabalhosa, resulta?
A resposta mais evidente é a facilidade em produzir cenas de elevada complexidade para um desenhador.
Cenas de paisagens, cidades inteiras, florestas, exércitos são tudo excelentes aplicações do CG.
Levaria anos a produzir uma montanha cheia de árvores usando artistas e cels, quando usando CG poderemos estar a falar de possivelmente de apenas um artista e um par de dias.
Mas a resposta mais correcta seria esta. O CG esta a ser utilizado para explorar novas formas de “storytelling”.
Nos anos 90 com a divulgação das Workstations Silicon Graphics, qualquer estúdio com alguma disponibilidade financeira começam a explorar e a criar as suas próprias divisões de CG.
Por exemplo em 1994 o Studio Ghibli que todos conhecemos pelas fluidez da sua animação 2D, estreia o filme Pom Poko/平成狸合戦ぽんぽこ Heisei Tanuki Gassen Ponpoko e é o primeiro filme deste estúdio a incluir CG, a partir daqui seria apenas mais uma ferramenta que este estúdio utiliza.
Em 1997 aquando o lançamento de Princess Monoke/ もののけ姫 Mononoke Hime, a equipa já usava intensivamente CG.
Os videojogos começam a introduzir também a técnica 3D em vez de “sprites” 2d e aqui surge um fenómeno interessante. As cinemáticas dos videojogos. Criadas a luz das introduções de um anime, estas pretendiam explorar o conteúdo que o videojogo proporcionava mas levando o jogador a um outro nível gráfico que o jogo não podia na altura proporcionar.
Em 1994 nasce o jogo Tekken da Nanco em que as suas cinemáticas foram aplaudidas como inovadoras, realistas e com personagens tão carismáticos quanto os de um anime.
Em 1997 é lancado para Playstation 1 o jogo Final Fantasy VII , o primeiro de uma nova geração
de F.F. Uma nova divisão é criada dentro da actual Square Enix, a Square Visual Works para permitir
um novo estilo de animação, 100% CG, este departamento seria mais tarde responsável por marcos na historia do CG mundial.
Pequeno apontamento antes de aprofundarmos mais o assunto. O CG usado em videojogos e o CG video/animação são duas áreas com muitíssimos pontos em comum mas em nos 2 extremos de uma balança. O CG usado em videojogos é apelidado simplesmente de 3D, ou de “Real Time 3D Engine” e permite toda a interactividade necessária a um videojogo, já no caso do 3D/CG são imagens pré-calculadas (“render”) e são completamente fechadas num formato de vídeo. Para não complicar mais o assunto, não discutirei neste artigo Real time 3D Engine /Motores de jogo.
Mesmo assim ficamos com um nó na cabeça, cinemáticas de videojogos, personagens 3D, cenários 3D, integração em animação tradicional, são muitas aplicações para uma única ferramenta. Para continuar é preciso de introduzir dois novos conceitos: O NPR (nonphotorealistic rendering) e o PR (photorealistic rendering).
São 2 conceitos/termos largamente usados ainda hoje em dia na indústria. Para alem de ser uma descrição da técnica usada, permite também a categorização da animação.
PR não se refere ao realismo fotográfico mas sim a um realismo simulado/estilizado.
NPR na sua maioria das vezes é usado com uma técnica que se intitula Cel Shading, um processo pelo qual uma imagem gerada por computador, anula as sombras realistas, anula imensas coisas que acontecem no mundo real, para criar apenas nuances de cor, sombra e contorno de silhueta semelhantes à animação tradicional japonesa.
Como exemplos de NPR temos:
Macross / マクロス 30th year anniversary (2012) onde foi feito um enorme esforço para converter as antigas animações (Robôs, naves, cenários) em cenas completamente CG, contudo não usaram personagens em CG. Outra anime conhecido com esta técnica é Howl’s Moving Castle / ハウルの動く城 Hauru no Ugoku Shiro (2004) onde o filme baseia-se numa “pipeline” 100% digital, mas os personagens ainda são em desenhos 2d, o restante é CG, pintado por artistas 2D. E por fim temos Evangelion 3.33 You Can (Not) Redo/ ヱヴァンゲリヲン新劇場版:Q (2012), um filme de grande orçamento, o Studio Khara responsável pelo “remake” de Evangelion não se poupou ao uso massivo do CG, até personagens foram criadas em 3D.
No caso da técnica PR, podemos dar como exemplos o clássico jogo Tekken: Blood Vengeance /鉄拳 ブラッド・ベンジェンス (2011). A empresa Digital Frontier foi responsável por este projecto para a Nanco/Bandai, ‘e tudo CG e os movimentos dos personagens são perfomances de verdadeiros actores usando a técnica de “motion capture”. Ainda no universo dos jogos temos Final Fantasy XV / ファイナルファンタジーXV (2013) que nos apresenta um estilo gráfico e estilização extremamente realista criado pela Square Visual Works. E Stand by me Doraemon, o novo filme do gato cósmico previsto para ser lançado em Agosto do presente ano (2014), demonstra muito bem como a imagem pode ser realista sem no entanto ser a realidade.
Mas como tudo, existem excepções à regra e filmes que se recusam a cair nestas 2 categorias, como por exemplo o Appleseed Ex Machina / エクスマキナ (2007), filme que procurou uma nova abordagem à técnica 3D/CG. Seguindo o mesmo estilo que a versão de 2004, mistura o que NPR e o PR tentam definir. Procura misturar o melhor dos 2 mundos.
E a sequela do enorme êxito de 1995, Ghost In The Shell 2: Innocence /イノセンス (2004) que por sua vez já fora uma revolução no uso de CG, usa esta técnica de uma forma muito própria. Detalhados modelos 3D revestido de uma complexidade pintada 2D.
Com isto termino esta pequena analise, muito mas muito mais pode ser dito, mas penso que
como introdução à temática é mais que suficiente e proporciona algumas bases para analises
futuras.
Para os geeks curiosos fica aqui uma pequena lista de estúdios e o principal software que usam.
Square Visual Work: Autodesk Maya e Autodesk Softimage (ex: Final Fantasy)
Digital Frontier: Autodesk Maya e Autodesk 3dsmax (ex: Applesed/ Tekken/Wold Children)
Mazda Animation Planet: Autodesk Softimage (ex: Space Pirate Captain Harlock)
Studio Khara: Autodesk 3dsmax (Ex: Evangelion Rebuild)
Studio Ghibli: Autodesk Softimage (Ex: Princess Mononoke)
Production IG: Autodesk 3dsmax (Ex: Ghost in the Shell)
Em jeito de finalizar, fica esta pequena dica.
Muitos Japoneses freelancers não tem dinheiro para pagar software altamente especializado e bastante caro como os grandes estúdios usam, por isso a sua atenção virou-se para um software gratuito e “open source” chamado Blender ( http://www.blender.org ). Este software está bastante desenvolvido e tem sido cada vez mais adoptado até nos melhores estúdios.
Fica aqui o trabalho de um fã de Card Captor Sakura, que tentou replicar a cena de abertuta de 1996 toda em CG usando apenas Blender e software de edição vídeo.
NPR e Cel Shading já vos faz algum sentido?
Escrito por: João Grilo ( http://www.facebook.com/squarezeroone )