Muito antes de ter sido responsável pela revolução trazida pelos Game&Watch e pelo Game Boy (no que ao entretenimento electrónico diz respeito) o seu criador, Gunpei Yokoi 横井 軍平, tinha já sido responsável por alguns pequenos sucessos de uma modesta mas longeva companhia japonesa, a Nintendo 任天堂株式会社, que não teria ainda qualquer tipo de expressão no estrangeiro. De facto, embora a Nintendo tivesse já tentado expandir-se, através dos esforços do seu terceiro presidente, o lendário Hiroshi Yamauchi 山内 溥 (neto do fundador Fusajiro Yamauchi 山内 房治郎) para lá da produção de cartas Hanafuda 花札 que constituiu em absoluto os seus primeiros 60 anos de existência, foi através do génio de Yokoi (que entrou na companhia em 1965) que a Nintendo entrou na área dos brinquedos, assim como deu os primeiros passos na electrónica, depois de outras tentativas mal sucedidades de diversificar as áreas de interesse da companhia.
De resto, especialmente depois de adquirir a licença para fabricar cartas ocidentais com personagens da Disney, a Nintendo tinha já conquistado um espaço no mercado japonês de brinquedos e jogos. O falhanço da diversificação assim como uma certa saturação do mercado relativamente às cartas estimularia o génio criativo de Yokoi numa altura tremendamente complicada para a Nintendo. Assim, logo no Natal de 1966, saiu com grande sucesso (mais de 1 milhão de exemplares vendidos) a Ultra Hand (ウルトラハンド), mas outros aparelhos icónicos rapidamente se seguiram, como o Love Tester em 1966 e o Ten Billion (テンビリオン) em 1980 (aproveitando a moda do cubo de Rubik).
De facto o surpreendente nas invenções de Yokoi é que estava tão à vontade no campo da mecânica como no da electrónica. Isto até seria uma vantagem para a companhia pois os modelos electrónicos tinham um factor novidade que lhes permitia não só impressionar como reter melhores margens de lucro, ajudando à saúde financeira da empresa.
Sobretudo a partir dos anos 70 ganha relevância a electrónica, sobretudo pelo desenvolvimento da tecnologia LCD e do microprocessador, sendo que nesta década era já possível a sua produção em larga escala e a um custo razoável, permitindo a sua utilização universal. No entanto, também o uso de células solares foi intensamente explorado, como na primeira pistola de raios solares, a Nintendo Beam Gun, de 1970 (em parceria com a Sharp); e depois muitas mais variações de jogos optoelectrónicos foram lançados (incluindo por laser). Assim, uma das suas invenções mais incríveis e surpreendentes seria o “telefone de luz”, criado em 1971, e cujo nome completo seria algo como: オプトエレクトロニクス 光線電話LT (Oputoerekutoronikusu kōsen denwa LT), sendo que LT significa Light Telephone. Este produto seria paradigmático de uma época em que a procura de sucesso não se esquivava à procura de tentar coisas novas e diferentes, assumindo riscos.
No LT, o som captado pelo microfone é codificado em luz transmitida e depois novamente descodificado em som pelo receptor, à semelhança de um walkie-talkie mas sem usar radiofrequências. Para isto é necessário usar uma mira telecóspica para garantir recepção, que se estendia de 10 a 30 metros. Para além disto, o aparelho pode também funcionar através de janelas e espelhos, assim como ser utilizado como lanterna. Por um lado tem a grande desvantagem (quando comparado com o walkie-talkie) de não poder ser usado de dia, nem através de paredes, no entanto os seus aspectos menos práticos e o próprio conceito quase surreal e não-intuitivo (transformar o som em luz e a luz em som) tornam-no num aparelho que, ainda que pouco funcional, é cativante e interactivo, especialmente contextualizado temporalmente, ainda que a tecnologia tenha ainda hoje um factor-novidade (ainda que tal não seja verdade – ver abaixo).
Do ponto de vista antropológico, no entanto, pela própria necessidade de ter de ser usado de frente um para o outro, assim como o facto de usar luz visível dá-lhe características mais próximas à comunicação humana, e não tão aberrantes como as radiofrequências. O facto de não ter, de raiz, propriedades lúdicas, e uma vez que foi lançada com o custo de ¥9,800 (em 1971; cerca de €160 nos dias em 2015, ajustando à inflacção), o que já o tornava um pouco inacessível às semanadas dos petizes, tentava apelar aos adultos. Esta estratégia não trouxe dividendos (e a Nintendo não tem propriamente fama na sua estratégia de marketing para adultos) e o LT teve vendas reduzidas, o que contribuiu para a sua raridade hoje em dia.
Apesar do facto de se usar radiação de luz visível para transportar e receber som parecer um conceito inovador, na verdade já Alexander Graham Bell, o inventor do telefone, tinha inventado um aparelho semelhante, que foi à altura a primeira comunicação sem fios, o fotofone. Bell, de resto, considerava-a a sua maior invenção!
Mesmo dez anos antes do Light Telephone da Nintendo já uma companhia norte-americana, Infrared Industries, Inc, tinha produzido um aparelho chamado Astro-Phone que, como indica o nome da companhia, usava apenas luz infra-vermelha (invisível).
A tecnologia usada no LT era partilhada também pelo primeiro controlo remoto televisivo, posto no mercado em 1955 e inventado por Eugene Polley, em que a emissão de luz visível a quatro foto-sensores colocados nos cantos da televisão permitia mudar os canais ou activar a função mute. Claro que muitas vezes o próprio sol natural podia provocar este efeito, mas apesar de a certa altura se ter passado para telecomandos a ultrassons (pelos anos 80), voltaria a tecnologia óptica, desta vez por infra-vermelhos que é ainda hoje utilizada.
O LT é um exemplo precoce da filosofia a que Yokoi viria a chamar 枯れた技術の水平思考 (Kareta Gijutsu no Suihei Shikō), ou seja, em tradução livre, raciocínio alternativo com tecnologia caduca (tradução inglesa: “Lateral Thinking of Withered Technology” ou “Lateral Thinking with Seasoned Technology”), que expôs no seu livro de entrevistas Yokoi Gunpei Game House (横井軍平ゲーム館 Yokoi Gunpei Gēmu-kan).
Por isto se entende que a tecnologia em bruto não cria o divertimento mas sim a forma como é usada para desenhar um novo produto. Neste caso, a tecnologia era simples e pré-existente, mas o conceito continua a ter impacto e factor-novidade. Esta frugalidade relativa e a procura de reinventar e reutilizar o que já existe, mais do que usar o último berro da tecnologia viria a ser marcante nas suas invenções mais conhecidas, assim como nos produtos Nintendo mais bem sucedidos.
Escrito por: João Mota