As gueixas, conhecidas também por geiko (芸子) ou gueigi (芸妓) são mulheres de origem japonesa que se dedicaram ao estudo milenar do canto, dança, e arte, consistindo num dos exemplos das tradições ancestrais que o Japão ainda preserva e que as define como sendo artistas.
As gueixas caracterizam-se pela utilização de indumentária requintada e distinta, bem como o uso de um determinado tipo de maquilhagem específica.
Contrariamente ao que se julga, a gueixa na cultura oriental não corresponde a uma mulher de má reputação (prostituta), pelo que esta ideia errada surgiu por parte da cultura ocidental. O papel da gueixa na sociedade japonesa é de importância cultural, simbólica, associada aos costumes japoneses que continuam bem enraizados.
Uma aprendiz de gueixa, sim porque também as há, são designadas de maiko (舞子 / 舞妓) que são pequenas dançarinas ou então hangyuku (半玉) que significa meia-jóia, pela simples razão de não receberem o salário completo como o de uma gueixa.
Segundo os ditos populares, as gueixas habitam uma realidade paralela, diferente da que existe no dia-a-dia (karyūkai), pelo facto de emanarem uma presença subtil, cheia de graça, força, mas também frágil, como a de uma flor.
Mas afinal, qual é o papel da gueixa e os seus segredos?
De facto, a história é bem mais remota, do que possamos eventualmente imaginar. Ao vasculharmos a história ancestral japonesa, descobrimos que na sociedade existiam artistas femininas, as saburuko (raparigas que servem), e que não tinham vida nem destino certo, por se tratarem de filhas de famílias que tinham sido obrigatoriamente deslocadas, em consequência das lutas desencadeadas durante o século VII. Algumas infelizmente tinham que vender o corpo em serviços sexuais, mas outras, por possuírem uma educação mais esmerada e um nível cultural mais elevado, serviam como forma de entretenimento de pessoas de uma alta camada social.
A partir da era Heian, por volta de 794, altura em que a Corte Imperial se fixa em Kyoto, os mistérios e o que entendemos pelo papel cultural da gueixa na sociedade começam de facto a estabelecer-se e a acentuar-se.
Convém explicar que o papel ideal de uma mulher na sociedade japonesa, era o conceito de boa mãe e de boa esposa, modesta e recata, preocupada com o bem-estar do lar e de toda a família. Os prazeres da carne eram explorados fora do ambiente familiar, nos braços de cortesãs licenciadas, as yujo, que se podiam encontrar em locais específicos, os yūkaku (游廓, 游郭), construídos durante o século XVI, bairros próprios para tal e que fora dos quais, tornar-se-iam situações ilícitas.
As yujo correspondem a uma espécie de antepassadas das gueixas, que além de mulheres de má reputação, também exerciam a atividade de atriz, realizando danças eróticas (kabuki), arte intitulada de kabuku, uma arte selvagem, provocante e depravada, sendo estas as únicas reconhecidas para a função sexual. As oiran surgem durante o período Edo e consistem em cortesãs de elevado estatuto, embora em algumas situações pudessem ter uma formação ainda mais rígida por forma a estarem aptas para atuarem na frente do Imperador.
Mas estes locais destinados inicialmente ao prazer e à luxuria, rapidamente dariam lugar a outras componentes mais diversificadas e que por sinal davam ao ambiente um ar mais requintado, preenchido através da utilização de instrumentos musicais, canto e dança, sendo algumas gueixas primitivamente até homens disfarçados que entretinham os clientes.
As gueixas, pessoas do sexo feminino, tal como as conhecemos atualmente, provêm inicialmente das odoriko (dançarinas adolescentes) e estas durante os finais do século XVII, atuavam em casas de particulares de elevado estatuto social, os samurais, acabando no século XVIII por se transformarem em mulheres de má reputação (prostitutas), e adotando o nome de gueixa, essencialmente as que já não eram adolescentes.
As gueixas do sexo feminino passaram a ser grandemente populares durante o século XVIII, muitas delas somente como artistas e trabalhando por vezes nos mesmos locais que as do sexo masculino. Com o passar do tempo a ocupação de gueixa passou a ser considerada apenas feminina.
Com o desencadear da Segunda Guerra Mundial, todo um mundo associado à cultura gueixa, desde casas de chá, bares e outros estabelecimentos semelhantes, acabaram obrigatoriamente por ser encerrados, e todos os funcionários que trabalhavam nestes lugares tiveram que se dedicar a outro tipo de funções, essencialmente fabris, ligadas diretamente ao esforço de guerra. É precisamente durante este período que o termo gueixa ganha de facto a conotação específica de mulher de má reputação (prostituta), por parte dos oficiais e militares americanos. Porém, as que retomaram esta vida fizeram-no enquanto artistas, recusando totalmente o título erróneo que tinham recebido por parte do mundo ocidental, pois o conceito de gueixa e a sua cultura foi implementada ainda durante as raízes feudais japonesas em vigor na sociedade e era precisamente essa a verdadeira ideia que devia ser transmitida a todos.
As pessoas do sexo feminino preparavam-se para serem gueixas, muito cedo, por volta dos 3, 5 e 9 anos de idade, embora com a proibição do trabalho infantil esta prática tenha desaparecido durante os anos 50 do século XX. Contudo, em alguns casos, se as gueixas tivessem filhas (okyia), estas estavam diretamente ligadas às suas casas, ficando conhecidas por hangyoku e eram sem dúvida consideradas as sucessoras (atotori) das gueixas.
Havia um determinado período de treinamento e uma gueixa quando começava a sua atividade não tinha que ser obrigatoriamente enquanto maiko, podendo imediatamente se tornar uma gueixa, todavia, para ambas as situações, havia um tempo de aperfeiçoamento e que durava em média um ano. Dependendo das cidades, de Kyoto para Tóquio, as maiko tornava-se aprendizes entre os 18 e os 15 anos respetivamente.
Enquanto uma shikomi é considerada uma serva, as minarai são aprendizes que observam a arte de ser uma verdadeira gueixa, estando dependentes de uma pessoa mais velha, reconhecida por onee-san (irmã mais velha) que lhes aconselhava e orientava nos ensinamentos e comportamentos adequados que uma gueixa devia ter e mostrar.
As minarai podem ainda ser requisitadas para festas, e geralmente trabalham em casas de chá (minarai-jaya), e aprendem todas as técnicas necessárias (conversa e entretenimento) através da okaa-san (uma espécie de mãe e proprietária do estabelecimento).
Por outro lado, uma maiko (aquela que dança), era também uma aprendiz que recebia um ensinamento ao nível das artes formais, que era efetuado em escolas específicas; nas próprias casas de chá, seguindo sempre a sua onee-san; e por último o comportamento social, no dia-a-dia através de saudações, oferendas e visitas a qualquer local japonês de importância social, um conjunto de regras de aprendizagem essenciais para o seu sucesso enquanto futuras gueixas. As maiko são inclusive encaradas como um fator lascivo, mas de grande atração turística, tornando-se verdadeiras gueixas numa cerimónia própria, a eriage, quando completavam os 20 ou 22 anos de idade. Estas ainda estavam sujeitas a uma outra cerimónia, a mizuage, em que um homem pagava para ter relações sexuais com uma maiko, dando assim início à sua maioridade e independência.
A arte que as gueixas aprendem baseia-se no canto e dança que é assimilado quando ainda são imensamente jovens. A evolução das danças (kabuki-dança selvagem), tornou-se mais delicada e graciosa, com uma elevada carga de disciplina (Tai Chi). Cada dança conta uma determinada história, contendo uma certa simbologia, que só alguns conseguem realmente compreender. As danças são acompanhadas de música tradicional, onde se utilizam instrumentos como o shamisen (espécie de banjo com três cordas e tocado por uma palheta) e que por vezes pode ser acompanhado por uma flauta. Além destes dois instrumentos também se aprendia a tocar o ko-tsuzumi (pequeno tambor de ombro em formato de ampulheta) e o taiko (tambor de chão). Algumas eram escritoras, compondo músicas tristes e nostálgicas, enquanto outras também se dedicavam à pintura.
Um universo cheio de complexidade, mas onde a arte e as técnicas da graça e da subtileza conviviam harmoniosamente.
Outro dos grandes pormenores que não podia faltar na cultura gueixa é precisamente a aparência, a indumentária e a maquilhagem utilizada.
A aparência de uma gueixa muda drasticamente com o avançar dos tempos, passando de uma jovem aprendiz para uma gueixa completa. Todo um conjunto de elementos, desde os penteados usados, até ao comprimento das sobrancelhas, significa a mudança de idade e a aquisição de maturidade ao longo dos anos.
A maquilhagem é aplicada de acordo com o grau de experiência que se tem e é usada por todo o rosto, cobrindo este de branco, sendo aplicada somente quando se exercia algum número de dança ou para chamar a atenção de algum cliente. O tempo de aplicação dura cerca de duas horas, efetuado com o mínimo cuidado, de forma a não se cometer erros e de uma forma geral era aplicada pela sua onee-san ou até pela sua okaa-san.
As jovens (maiko) usam apenas um pó branco (oshiroi) que cobre o rosto, pescoço e peito, deixando algumas áreas a neutro, por forma a salientar em parte o erotismo do corpo feminino. As bochechas eram retocadas com um pó rosa escuro e os olhos a vermelho, mudando de acordo com a idade.
A indumentária base é sempre o kimono, porém as maiko usavam um kimono extremamente colorido composto por um obi excêntrico, dando assim um ar exótico, porém a forma de o colocar varia de Kyoto para Tóquio; este kimono é completado com o uso de mangas com bolsos (furi) e que pode variar também de acordo com o evento em que esta participa, bem como a própria época do ano. O kimono forrado usa-se durante o Inverno e o kimono sem forro durante o Verão, alternando assim entre estações frias e quentes.
Enquanto uma gueixa veste vermelho ou rosa nagajuban, a maiko usa as cores branca e vermelha com motivos padronizados impressos. O colarinho desta é também à base dos tons branco e vermelho ou prata e ouro, sofrendo alterações quando esta atinge a idade de 20 anos, em que o colarinho passa a ser branco. A gueixa usa ainda uma sandália apertada (zori) e dentro de casa utiliza o tabi, podendo em outras ocasiões usar os célebres tamancos de madeira (geta), enquanto as maiko usam um tamanco específico, o okobo.
O penteado também foi sofrendo alterações ao longo do tempo, mudando de era para era, em que a partir do século XVII o cabelo das gueixas deixa igualmente de ser curto, para se tornar mais comprido, e é precisamente nesta altura que surge o típico shimada (shimada taka usado por mulheres solteiras; shimada tsubushi usado por mulheres mais velhas; uiwata usado pelas maiko). No entanto, poderiam ser aplicados outros géneros de penteados, pois o penteado de uma gueixa mudava todas as semanas e era levado muito a sério, sendo elaborado com muita perfeição e enriquecido com a colocação de pentes e grampos, mas que com o passar do tempo tem o grave problema de poder causar a calvície no meio da cabeça. Importa salientar que na atualidade existem gueixas que preferem usar perucas enquanto as maiko utilizam o seu próprio cabelo natural.
As gueixas de uma forma geral devem ser solteiras, pois as que realmente pretendessem constituir família, teriam obrigatoriamente que se retirar desta profissão. Atualmente já não é muito comum, mas no passado uma gueixa estabelecida, geralmente escolhia um patrono, um benfeitor (danna), que era um homem geralmente rico que ajudava a custear o seu treinamento e aperfeiçoamento enquanto gueixa.
Um mundo de mistérios e segredos, muitos deles talvez não os consigamos entender, mas tratam-se de escolhas de vida, e que continuam a servir de modelo de inspiração cinematográfica, como é exemplo disso “Memórias de uma Gueixa” um romance de 1997, da autoria de Arthur Golden, levado ao cinema e que foi baseado na obra “Geisha of Gion” de Mineko Iwasaki.
Desta forma, conseguimos compreender que a vida de uma gueixa não é nada fácil, nem simples, por vezes subjugadas ao poder masculino, em que o ar erótico e sensual se confunde com a graciosidade e a delicadeza, em que a máscara da representação é conjugada com uma pose teatral, que é mantida sempre até ao fim, obrigadas a seguir um conjunto de regras e técnicas de aprendizagem de forma a poderem ter êxito nesta vida que pretendem ou são obrigadas a seguir, ao mesmo tempo que a perfeição da arte em causa, é de todo essencial para a sua própria reputação e sobrevivência.
Assim sendo, a vida cultural de uma gueixa consiste de facto num dos grandes e fascinantes símbolos dos costumes e da cultura japonesa, que comunga ao mesmo tempo com a modernidade dos tempos, um Japão antigo, ancestral e tradicional em harmonia com um Japão dinâmico e tecnológico.
Escrito por: Mia Mattos