Baseado no livro de Fumie Kondo, intitulado Haburashi, a série segue a vida de uma escritora/argumentista que um dia recebe a visita de uma amiga dos tempos do liceu. Haburashi / Onna Tomodachi, exibida na NHK em Janeiro, possui oito episódios e foi realizada por Yui Miyatake e Toshimitsu Chimura.
Haburashi / Onna Tomodachi tem vários pontos positivos sendo o principal a boa construção e desenvolvimento das personagens.
Começo por falar em Mizue Furusawa (interpretada por Chizuru Ikewaki), a personagem cujas ações fazem a narrativa avançar. Mizue é uma jovem cujos sonhos se tornaram pesadelos. Procurando fugir a um marido abusivo, Mizue manipula a amiga de liceu, Suzune, de forma a conseguir viver às suas custas. No entanto, o facto de Suzune ter conseguido subir na vida acaba por levar Mizue a tentar arruinar a sua vida, ainda que eu sinta que a vilã acaba por ganhar algum apreço por Suzune, vendo-a como a amiga que realmente é.
No final, compreendemos o quão desequilibrada é esta personagem. Tanto tenta viver às custas de Suzune como tenta procurar emprego. Num dia desespera por não ter uma casa onde possa viver com o filho, noutro tenta sabotar a vida de Suzune, cuja provavelmente lhe daria abrigo por um longo período de tempo.
Curiosamente Mizue lembra-me bastante Pedro de Pedro e o Lobo, a fábula criada por Aesop (620 – 564 AC). Na história, um jovem rapaz engana os pastores da sua aldeia fazendo-os acreditar que um lobo está a atacar o seu rebanho. Ele repete o feito várias vezes. Um dia um lobo ataca realmente o rebanho mas os pastores não acreditam pensando ser apenas mais uma mentira. O final depende da versão que se lê mas ou ele ou as ovelhas acabam mortas no fim. Mizue é Pedro, e no final sofre as consequências das suas mentiras. Volta para o marido e mais uma vez sofre nas suas mãos, acabando por ser presa por tentar matá-lo. No entanto, pode-se dizer que ainda há esperança para ela. Mizue mostra querer mudar, quiçá até abrir uma pastelaria. É-lhe dada uma segunda chance na vida.
Esta personagem possui também uma música tema que a acompanha na maioria das cenas em que está presente. Uma música sinistra e que provoca desconforto, como se algo não estivesse bem, como se algo estivesse prestes a acontecer e Mizue vá abandonar o seu lado ingénuo, mostrando quem realmente é. Tal como a música, também a montagem torna a personagem num ser sinistro. Por exemplo, quando Suzune descobre os comprimidos para dormir, ouvimos o canto alegre e despreocupado de Mizue, como o canto de alguém capaz de manipular tudo e todos sem que ninguém perceba. Noutras ocasiões vemos a câmara oscilar, especialmente quando algo não corre como a personagem deseja, deixando o espectador apreensivo.
Interpretada por Yuki Uchida, Suzune Makabe é uma mulher que apesar de ter conseguido uma vida estável, sente-se de alguma forma vazia especialmente por nunca ter tido filhos, algo com que sonha desde os seus tempos de liceu. Esse lado maternal acaba por levá-la a aceitar Mizue na sua casa, afinal Suzune nunca conseguiria deixar uma criança a viver na rua.
No entanto, aos poucos a sua vida começa a ser destruída. Mizue rouba-lhe a sua cama, a sua roupa, a sua maquilhagem e, a certa altura, até o homem por quem se apaixona. Mas não pára por aqui. Mizue tenta ainda sabotar a sua vida profissional, nomeadamente quando mistura comprimidos para dormir no vinho de Suzune, fazendo-a atrasar-se na entrega de um dos guiões.
Depois de tudo o que Mizue lhe faz, Suzune não consegue contudo abandonar a amiga e no fim corre ao seu encontro para a ajudar.
Mamoru Yanai (Toshinori Omi) é nos apresentado inicialmente como amante de Suzune, levando-me a pensar até que este personagem seria o habitual produtor que dorme com a sua melhor escritora de forma a manipulá-la. Porém depressa percebi que não era o caso. Ainda que o seu amor seja questionável, Yanai gosta de Suzune e respeita-a quer como profissional, quer como mulher, ficando inclusivamente abalado quando Suzune o deixa para se juntar a Nada.
Takashi Nada (Nobuaki Kaneko) é um livreiro que herdou uma pequena loja do seu pai. Contudo a sua função é questionável e parece que o personagem existe apenas para dar um pouco mais de dramatismo à narrativa e para no final ficar ao lado de Suzune, indicando que esta terá finalmente a vida que sempre quis.
Em vez dele, prefiro falar um pouco de outros dois personagens que são curiosos e apesar de não terem um papel destacado, são bastante interessantes: Mihoko Yonezawa e Tadashi Umemori.
Enquanto a história principal nos vai sendo mais ou menos indiretamente mostrada, a história de Mihoko Yonezawa (Miwako Ichikawa) pode passar ao lado a alguns espectadores ainda que sejam oferecidas algumas pistas. Suzune está tão mergulhada nos seus problemas que nem vê o sofrimento da amiga.
Quanto a Tadashi Umemori (Yoshinori Okada) é interessante terem-no criado como o vizinho simpático que toda a aldeia adora. Tão amável que ninguém acredita que ele possa ser capaz de abusar da mulher e do filho, o que frequentemente acontece na vida real. Tadashi é também o homem que espanca a mulher, prometendo-lhe em seguida que nunca mais o fará porque a ama.
Contudo apesar de ser na sua grande maioria um drama, Haburashi / Onna Tomodachi possui elementos da Comédia Romântica especialmente entre Suzune e Nada. O primeiro encontro dos dois acontece numa loja de bebé. Suzune tenta tirar o papel do sapato e acaba por deitar várias coisas ao chão criando um clima “cómico” entre eles e indicando que veremos Nada novamente bastante em breve. Toda a cena sucede com uma música de fundo romântica e claro, não podemos esquecer que Suzune referira antes que gostaria de ser mãe, e toda a cena entre ela e Nada decorre numa loja de produtos e roupa para bebé.
Passando agora a outro ponto, a Montagem, esta é em geral bastante comum. Porém, Haburashi / Onna Tomodachi tem alguns momentos que se diferenciam do restante, nomeadamente as cenas em que Mizue está prestes a mostrar o eu verdadeiro “eu”, e toda a sequência final entre Mizue e Suzune na escola que frequentaram.
Enquanto a maioria da série é filmada com uma câmara fixa, a sequência em que as duas amigas se encontram no liceu, agora abandonado, é filmada usando câmara à mão, deixando a imagem tremida. Isto cria um ambiente diferente do normal, mais intimo, mais sério. Em termos de imagem, é também nesta cena que vemos uma grande mudança, onde são escolhidos tons escuros em detrimento dos tons claros a que a série nos habitua.
Todavia a série possui igualmente alguns pontos negativos, sendo o principal a repetitividade do discurso por parte da Mizue de que Suzune tem a vida perfeita. Esta afirmação está presente em todos os episódios, tornando-se excessivo e acabando por transformar Mizue numa personagem por vezes demasiado irritante, sem que isto seja realmente necessário. O triângulo amoroso, ou quadrado amoroso, entre Mizue, Yanai, Suzune e Nada parece-me também desnecessário ainda que tenha sido resolvido relativamente depressa e sem demasiado dramatismo.
Parecendo apenas mais uma série romântico-dramática, Haburashi / Onna Tomodachi possui uma história deveras interessante e mais complexa do que aparenta ser, razão pela lhe dou um 7 em 10.
Escrito por: Ângela Costa