Os filmes de Sono Shion (園子温) são normalmente bastante violentos e subversivos. Desde a sua estreia com Suicide Club (Jisatsu Sākuru) em 2001, este realizador japonês tem chocado a audiência ao longo dos anos com filmes bastantes gráficos que não têm medo de abordar temáticas tabu. Este Riaru Onigokko (リアル鬼ごっこ), filme de 2015 inspirado no livro de Yusuke Yamada, não é excepção.
Mitsuko (Reina Triendl) é uma jovem inocente que adora escrever poemas. Um dia, enquanto se encontra a caminho de uma visita de estudo, um acontecimento bizarro mata todas as suas colegas de turma, fazendo com que esta comece a fugir da entidade bizarra que assassinou as suas amigas. Fugindo por entre dezenas de cadáveres, Mitsuko corre até chegar à sua escola, da qual esta não se lembra de fazer parte. Na escola encontra três raparigas suas amigas de longa data das quais Mitsuko não tem grandes lembranças, mas com as quais se identifica e cria quase instantaneamente laços de empatia. No entanto, acontecimentos bizarros voltam a acontecer na sua vida e fazem com que Mitsuko necessite novamente de fugir para salvar a sua vida, numa fuga que se prolonga por todo o filme e à qual se juntam mais duas personagens, Keiko (Mariko Shinoda) e Izumi (Erina Mano).
Riaru Onigokko é um filme surpreendente. Publicitado como uma espécie de Battle Royale com um elenco totalmente feminino, este filme de terror/acção acaba por se tornar psicologicamente mais perturbante do que seria de esperar no início. O mundo de Riaru Onigokko é completamente surrealista, sendo complicado para o espectador decifrar o que se está a passar durante a maior parte do tempo. As dúvidas quanto à vida de Mitsuko e quanto a calamidade que a persegue vão-se acumulando ao longo dos quase noventa minutos de filme, culminando num desfecho surpreendente que justifica a fama do realizador do filme como um dos autores mais subversivos de hoje em dia no Japão (e no mundo).
Embora a parte de horror psicológico seja a mais interessante do filme, este não deixa de ser extremamente violento e bastante gráfico. O filme é um festival de gore onde não faltam explosões, tiroteios, facadas, membros partidos, fracturas expostas e corpos cortados a meio, só não sendo visualmente mais perturbante graças ao fraco CGI utilizado durante todo o filme (provavelmente devido a razões de orçamento).
Embora o CGI não seja da melhor qualidade, a fotografia do filme compensa essa falha. A maior parte das cenas são filmadas de maneira belíssima, onde se destacam as cenas mais monótonas, havendo uma grande atenção ao pormenor durante todo o filme. Esta atenção ao pormenor faz com que as cenas de acção sejam convincentes mesmo quando os efeitos especiais não são da melhor qualidade.
Este festival de acção, violência, surrealismo e suspense fazem com que Riaru Onigokko se torne num filme que nunca é monótono, cativando o espectador do princípio até ao fim.
A performance das actrizes é bastante boa, destacando-se Reina Triendl no papel de protagonista. A actriz austro-japonesa consegue com sucesso transmitir todo o horror e desespero que o seu personagem sente perante os acontecimentos bizarros que acontecem à sua volta. Yuki Sakurai, que faz o papel de Aki, uma das melhores amigas de Mitsuko, está também em destaque, servindo de ajudante leal da protagonista. Aki é um dos personagens mais admiráveis do filme, especialmente nas cenas de acção em que entra. Keiko (Mariko Shinoda) e Erina Mano (Izumi), as outras duas protagonistas do filme, também são bastante competentes no seu papel, mas nenhuma delas brilha tanto como Reina Triendl.
A banda sonora do filme não contém muitas músicas, mas conta com três músicas excelentes dos gigantes do post-rock japonês MONO, que se adequam perfeitamente ao ambiente intenso e sombrio do filme, com especial destaque para a música “Pure as snow (Trails of the Winter Storm)” que se faz ouvir várias vezes ao longo do filme.
Riaru Onigokko é um filme que subverte os papéis estereotipados dos personagens do sexo feminino em muitas das obras da indústria japonesa, tornando-se numa viagem alucinante com um desfecho surpreendente, merecendo um lugar no patamar das melhores obras de Sono Shion.
Escrito por: Nuno Rocha