Após trabalhar com Jō Shishido (宍戸 錠) em Tantei Jimusho 23: Kutabare Akutōdomo Seijun, onde Shishido tem o papel de um detective privado gingão que se infiltra num gang Yakuza, Seijun Suzuki (鈴木 清順) viria a trabalhar novamente com Shishido em 1963 no filme Yajū no seishun (野獣の青春).
Se em Tantei Jimusho 23: Kutabare Akutōdomo Seijun Jō Shishido protagoniza o papel de um detective charmoso e alegre que de certa forma se assemelha a James Bond, em Yajū no seishun a sua personalidade muda completamente, tornando-se num homem taciturno e violento, obcecado num único objectivo ao longo de todo o filme.
Jō Shishido é “Jo” Mizuno, um ex-polícia que passou algum tempo preso e que chega agora a Tokyo com o objectivo de descobrir as causas da morte do seu antigo parceiro. Recusando-se a acreditar que o seu antigo parceiro se suicidou com uma suposta amante, Jo infiltra-se num grupo mafioso local à força (após dar um enxerto de porrada a meia dúzia de mafiosos e provar o seu valor) para saber mais sobre a morte do seu colega. No decorrer da sua investigação para descobrir quem é a suposta amante do seu antigo parceiro, Jo infiltra-se também noutro grupo Yakuza, iniciando um plano que acaba pôr os dois grupos um contra o outro. Enquanto semeia o caos no submundo do crime local, Jo vai-se aproximando cada vez mais da resposta que procura, deixando um rasto de sangue pelo caminho.
Yajū no seishun é um filme marcante da carreira de Seijun Suzuki. Nesta obra de 1963, o realizador nipónico dá asas a toda a sua imaginação, levando-nos para um universo surrealista e muito estilizado onde todos os personagens se destacam pelas suas características particulares. Os vilões têm sempre alguma característica que os define, seja por uma certa particularidade a nível físico, a sua escolha de armas ou a maneira intempestiva como reagem a determinadas situações. Este exagero sempre presente no filme leva a que se afaste bastante da realidade, inserindo o espectador no imaginário de Seijun Suzuki e levando-o a desfrutar de toda a diversão que os universos criados por este contêm.
O protagonista do filme é uma força da natureza, um homem violento e frenético que não tem receio de qualquer obstáculo desde que consiga alcançar o seu objectivo. O personagem de Jō Shishido não é propriamente muito enternecedor para o espectador, que pode entender as motivações do mesmo, mas que dificilmente simpatizará com ele devido ao passado turbulento e a maneira como se comporta ao longo do filme. “Jo” embarca nesta missão em nome próprio, já não tendo qualquer ligação à polícia e regendo-se pelas suas próprias regras.
Ao longo do filme são poucos os personagens com que se consegue criar alguma empatia, sendo apresentado um leque de monstros que não têm problema em cometer actos hediondos se os mesmos funcionarem em seu benefício. Esta maldade inerente dos personagens do filme faz com que o espectador torça pelo sucesso do seu conturbado protagonista, que procura obter redenção pelos erros que cometeu no passado. Entre os membros da Yakuza presentes no filme o mais afável é Minami, o parceiro do protagonista do filme, cujo nível de depravação não chega perto dos outros membros da máfia.
O enredo do filme faz de certa forma lembrar o clássico Yojimbo (de Akira Kurosawa) com um estranho a chegar à cidade e a despoletar a confusão entre dois gangues rivais de modo a concretizar o seu objectivo. Aqui as espadas e as vestes samurais são trocados por pistolas, espingardas e fatos feitos à medida, com o anti-herói do filme a mover-se por uma cidade de Tokyo repleta de neons, becos suspeitos e bares repletos de mafiosos.
A fotografia do filme é linda. Seijun Suzuki cria um ambiente noir com um estilo muito próprio. Os grandes planos que utiliza ao longo do filme fazem com que o espectador quase se sinta que está dentro das cenas. Há uma enorme atenção ao pormenor, com os cenários e todos os personagens presentes no ecrã a serem importantes para o sucesso da cena.
Yajū no seishun é um filme onde Seijun Suzuki cimenta o seu estilo, que viria ainda a aperfeiçoar nas suas obras seguintes. É incrível como Suzuki conseguia fazer obras tão inventivas e visualmente impressionantes com um orçamento baixo e um tempo de produção bastante curto. Com um estilo muito próprio, personagens caricatos e uma boa dose de violência, Yajū no seishun é um dos filmes obrigatórios da carreira de Seijun Suzuki.
Escrito por: Nuno Rocha