Nascido em 1937 na capital japonesa, Yoshiharu Tsuge (つげ義春 Tsuge Yoshiharu), é o segundo de uma família de três (o irmão mais novo Tadao Tsuge também mangaka) e perde o seu pai muito novo. Desde criança é criado pela sua mãe e um padrasto autoritário. Após a Segunda Guerra Mundial e a pobreza em que a família estava, Tsuge começa a trabalhar aos 13 anos como distribuidor de jornais e depois numa fábrica de costura. Apesar de mudar de trabalho várias vezes as duas verdadeiras paixões eram o desenho e ser marinheiro.
Aos 14 anos, embarca ilegalmente num navio de carga destinado aos Estados Unidos para fugir dos maus tratos do sogro, mas é descoberto pela Guarda Costeira antes mesmo de sair de águas territoriais e como castigo passa uma noite na prisão. A sua carreira como artista de mangá começa em 1954 com pequenas histórias publicadas pela Hōbunsha e distribuídas através de uma rede de livrarias. As 90 histórias que ele desenha, influenciadas graficamente por Osamu Tezuka e pelos gekigas (o equivalente às novelas gráficas), são sombrias e inspiradas na vida quotidiana.
Três anos mais tarde já consegue ser uma vida mais calma e independente. Tsuge aproveita essa independência para cultivar e desenvolver uma procura por um estilo original nos seus trabalhos. No final da década de 1950, o mercado editorial e as livrarias “especializadas” começam a desaparecer e Tsuge via a sua vida novamente a entrar numa espiral negativa que o leva a tomar várias decisões extremas como ter que vender o seu sangue para sobreviver ou ter tentado acabar com sua vida. Mesmo estando a passar um mau período Tsuge nunca deixa de desenhar e em 1960, publica O Homem da Sombra (Kage no otoko) e conhece no mesmo ano Katsuichi Nagai.
Este trabalho permite-lhe obter algum sucesso quando recebe um telefonema para começar a colaborar com a famosa revista Garo, fundada no ano anterior. Desde essa data que começa a publicar regularmente na revista até se aposentar artisticamente em 1987. Durante este tempo foram publicadas mais de 8000 pranchas que lhe permitem adquirir uma grande reputação pública e mais crítica. O começo, no entanto, foi difícil: as reacções dos leitores às duas primeiras histórias publicadas por Tsuge em Fevereiro e Março de 1966 são muito negativas.
Nesta altura fica um dos artistas de referência da revista Garo e em Junho de 1968, a revista dedica-lhe uma edição especial onde publica uma história que, entre outras, torna-se imediatamente famosa: “Neji shiki”, uma compilação de histórias curtas onde relata um dos seus sonhos. Este trabalho, muito sombrio, desperta o interesse imediato dos leitores, mas também críticos de arte. No início da década de 1970, os trabalhos de Tsuge da década de 1960 foram amplamente reconhecidos e tornaram-se clássicos. A primeira adaptação audiovisual de um de seus trabalhos, The Purple Flowers, foi feita por Shōichirō Sasaki em 1976. Em 1975, ele casa com Maki Fujiwara, uma artista underground que conhecera cinco anos antes.
Nas décadas de 1970 e 1980, os seus mangás estão catalogados em três grandes grupos: histórias de viagens, tiradas de suas explorações no Japão de 1966 a 1976; histórias de influência onírica, e histórias autobiográficas nos quais ele relata a sua infância, até á sua adolescência. Durante este período também publica alguns textos/contos sobre os seus sonhos que teve durante este período. Apaixonado também pela fotografia, Tsuge abre uma loja de máquinas fotográficas e manteve a loja aberta até 1982.
É ainda nos finais da década de 70, que começam os seus ataques de ansiedade e que tornam a sua vontade de desenhar cada vez mais difícil, embora ainda escrevesse muito (publica o seu diário em forma de série). Em 1984 regressa ao mangá mas é só três anos mais tarde que começa a publicar histórias autobiográficas e mangá do estilo Watakushi (Histórias do Eu) . O seu desenho torna-se mais esquemático e menos meticuloso. Em 1985-1986, publica um conjunto de histórias de watakushi, agrupadas sob o título O homem inútil (Munō no hito), que retratava um desenhador que relutava em fazer o seu trabalho e que consequentemente passou a vida a. não fazer nada, constantemente assediado pela sua esposa.
Cada vez mais deprimido e separado da sua mulher,Tsuge deixa de publicar em Setembro de 1987 e da decisão da Comic Baku. Após este retiro, o trabalho de Tsuge permanece vivo, como evidenciado pelas inúmeras reedições dos seus trabalhos e pelo sucesso das publicações estrangeiras (editado em França, Espanha, Estados Unidos e recentemente Brasil pela editora Venetta), e claro pelas cinco adaptações cinematográficas e pelos nove filmes para televisão transmitidos no Japão entre 1991 e 2004 no Japão.
Apesar de ser muito popular no Japão, o precursor do mangá autobiográfico e o instigador do mangá watakushi (“Histórias do Eu”) vive actualmente completamente isolado também devido à sua idade. Em 2005 foi nomeado para o Prémio de melhor álbum no 32º Festival d’Angoulême.
Escrito por: Fernando Ferreira