Quando nos afastamos dos campos de batalha habituais das redes, acabamos por encontrar algumas recomendações que acabam por nos surpreender. A sinopse deste filme, cujo enredo anda à volta de quatro crianças que após a morte dos pais decidem criar uma banda, chamou-me logo à atenção. O resultado final foi mais uma pérola do cinema independente japonês, de onde têm saído alguns dos filmes mais originais dos últimos anos.
Realizado por Makoto Nagahisa, We Are Little Zombies foca-se em Hikari (Keita Ninomiya), Takemura (Mondo Okumura), Ishi (Satoshi Mizuno) e Ikuko (Sena Nakajima), quatro crianças que se conhecem à porta do crematório após a morte dos pais. Não sabendo bem como lidar com o luto, decidem partir numa aventura que os leve para longe dos seus novos tutores e que acaba por os fazer criar uma banda que serve como forma de se expressarem.
Se na teoria o resumo do enredo dá ideia de We Are Little Zombies ser uma obra melodramática, na prática acaba por ser um filme onde a apatia é o sentimento generalizado. Explorando os passados de cada uma das crianças e as razões pelas quais estas têm alguma dificuldade em exprimir o luto de forma expansiva, o filme acaba também por abordar a apatia generalizada da sociedade contemporânea e a forma como a depressão e a solidão são frequentemente exploradas pelos grandes grupos económicos como uma nova moda entre os mais novos.
O quarteto de crianças que protagoniza o filme funciona bastante bem, com cada um deles a ter as suas próprias características e a funcionarem como uma espécie de grupo de heróis de um RPG muito sombrio, que avançam pelos vários níveis deste “jogo” até se depararem com o Boss final, indo recolhendo ao longo da aventura bastantes Power-Ups que os ajudam na sua saga.
No entanto, onde We Are Little Zombies se destaca mais é nas suas escolhas estéticas, contendo um estilo muito singular e completamente inspirado no mundo dos videojogos. A banda sonora e certas cenas do filme parecem retiradas de um JPRG, mas há muitas surpresas facilmente reconhecíveis para todos os fãs de gaming.
A cinematografia peculiar, que parece uma mistura entre o estilo sombrio de Sion Sono e a explosão de cores e cenários fantásticos de Seijun Suzuki, transporta-nos de forma eficaz para muitos dos lugares mais comuns que hoje enchem o ciberespaço, mudando abruptamente de estilo quando necessário e parecendo que estamos a ver cinco ou seis filmes diferentes dentro do mesmo. O estilo anárquico pelo qual o realizador optou funciona surpreendentemente bem, sendo este filme uma das experiências visuais mais incríveis às quais já assisti.
Para todos aqueles que tendem a ver o mundo de forma um pouco niilista, o quarteto de protagonistas do filme que encaram o mundo de forma pessimista, mas sem nunca cair no exagero e mantendo sempre um nível de equilíbrio e sobriedade superior a todos os personagens adultos do filme, acabam por se tornar pequenos ídolos. We Are Little Zombies é um filme que ridiculariza o optimismo desmesurado, mas que também recusa a crueldade enorme e a falsa sinalização de virtude que parece ser o lugar comum da sociedade online (e offline) de hoje em dia. Não se preocupem, os miúdos estão ok.
Escrito por: Nuno Rocha