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Kiki’s Delivery Service

Uma obra clássica de Miyasaki, e parte do pacote vendido á Disney, Kiki’s Delivery Service é uma história sobre o crescimento, a aceitação de ser diferente, e o sonho de voar. Mas, será que sobrevive ao teste do tempo?

“Kiki’s Delivery Service” narra as odisseias de uma jovem bruxa chamada Kiki. Segundo a tradição, quando fazem 13 anos, as bruxas devem sair das suas casas e passar um ano noutra cidade, e agora é a vez dela partir. Armada com o rádio do pai, o seu gato preto Jiji e a vassoura da mãe, ela parte em direcção á aventura… Mas ela não tem nenhuma especialidade, e a única coisa que sabe fazer é voar (e não particularmente bem). Eventualmente ela chega a uma grande cidade, mas as pessoas são muito ocupadas e não lhe ligam, tirando um rapaz chamado Tombo. No entanto, um encontro ocasional com Osono, a dona de uma padaria que quer devolver uma chupeta deixada na loja faz mudar isso tudo…

Graficamente, “Kiki” é concebido para apenas uma coisa. Fazer sonhar. As personagens são feitas ao “velho” estilo do estúdio Ghibli, que a geração que cresceu nos anos 80 se lembra tão bem. Aliás, é tudo bastante familiar, até porque a cidade onde Kiki acaba é uma estranha mistura entre Tokyo e a Europa dos anos 50, com cenários muito detalhados, podemos por exemplo ver o logotipo da Ford nos carros e o nome de várias lojas, mesmo que estes só apareçam por alguns segundos nas “frames”, mostrando que nada foi deixado ao acaso.

A animação é bastante impressionante, como os efeitos do vento no campo na abertura (e em geral como ele afecta a roupa e cabelo da Kiki em todo o filme), a nortada que apanha a Kiki durante uma entrega, e a viagem na bicicleta a hélice. Existe uma enorme quantidade de física envolvida na maneira como se faz a animação. Por exemplo, quando Kiki voa na vassoura ela usa os pés e o corpo (apoiando-se em coisas como paredes) para virar e perder velocidade, a já referida bicicleta a hélice de Tombo mete em prática conceitos básicos de física, o dirigível na cena final… todos se comportam de uma maneira muito realista. Claro que não chega aos níveis de animação de objectos como se fez em Akira (que foi feito no mesmo ano, 1989), mas está lá bastante perto. São provavelmente ambos os últimos grandes filmes de animação completamente tradicional.

Quanto á música, ela é composta por Joe Higashi, um companheiro de longa data das produções de Miyasaki. A sua principal capacidade é a de criar peças sonoras discretas e ao mesmo tempo importantes. Isto é, ele não tem problemas em eliminar por completo a banda sonora em momentos dramáticos, e apesar de ter algumas músicas geniais, elas acompanham o filme, mas não são o fio condutor. É em geral, uma peça muito agradável, com temas orquestrais simples, um “opening” e “ending” em estilo rock e suaves acompanhamentos usando instrumentos clássicos, mas não será algo que ouviria separado do filme.

Agora, tanto quanto sei, a versão VHS distribuida pela Disney em Portugal, é dobrada. Apesar de não a ter ouvido, garantem-me que é a versão brasileira, e que infelizmente sofre dos muitos males relativos a isso, ou seja, má actuação, vozes pouco distintas, e falhas de gramática graves. O que é uma pena, já que na versão original, as vozes são impecáveis. Apesar de haver um certo tom alegre em geral nas personagens á volta dela, Kiki tem direito a um série de linhas “tristes”, que são interpretadas de maneira muito sentida. Considerando o público alvo (ou seja, jovens na faixa etária dos 8 aos 13 anos), Kiki merecia um tratamento correcto em Portugal. Uma dobragem verdadeiramente portuguesa de qualidade, tal como a maioria das produções da casa Disney tem vai pelo menos 10 anos, ou pelo menos a edição de um DVD legendado em português. E é uma pena, porque o filme, é em primeira análise, bastante poderoso emocionalmente.

Confesso que não fiquei absolutamente entusiasmado a primeira vez que ouvi falar em Kiki. Afinal, depois de histórias poderosas e “adultas” como “Princesa Mononoke”, que esperar de um filme infantil com 12 anos? Depois de o ter visto pela primeira vez, tenho de admitir que estava ligeiramente errado. Apesar do conceito de crescer e despertar para novos sentimentos já tenha sido abordado desde essa altura várias vezes e provavelmente de maneira muito melhor, Kiki tem aquele ar de fábula infantil, intemporal. O filme consegue, de uma maneira muito simples, fazer-nos identificar com a personagem principal, e transmitir as lições de força que são a base dessas velhas fábulas, cuja tradição se está a perder, dia a dia, e a ser substituido por outras “fábulas” mais recentes, modernas, moralizadoras e de consumo imediato. Espero algum dia poder mostrar Kiki á próxima geração, talvez o achem inovador…

Se ainda têm uma criança dentro de vocês e estão prontos para uma enorme dose de nostalgia aconselho vivamente a verem “Kiki’s Delivery Service”. No entanto, se forem adolescentes e tiverem um ódio de morte ao Miyasaki por arruinar a vossa ideia de anime, tentem “Princesa Mononoke”, porque não vai ser este que os vai fazer mudar de ideias.

Autor: Nuno Sarmento

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