Tal como Shinichiro Watanabe, o criador dos relevantes Cowboy Bebop e Samurai Champloo, e Katsuhiro Otomo, director da obra-prima Akira, Koji Morimoto ocupa um lugar privilegiado no que de diferente se fez e está a fazer na animação japonesa.
Um dos fundadores do Studio 4ºC, o perfeccionista Morimoto é o criador de obras fundamentais na animação de autor, de cariz marcadamente individual e com uma visão muito própria dos padrões clássicos que marcam ainda hoje a produção de Anime. Tal como Otomo, este autor é fascinado pela BD e animação europeia (Enki Bilal é, segundo afirma, umas das suas maiores influências), que combina com o estilo gráfico muito ligado ao movimento Superflat, conhecido no ocidente sobretudo pela obra de Takashi Murakami, provavelmente o artista plástico japonês mais conhecido fora do Japão actualmente.
Esta combinação de estilos que levou Morimoto a uma exploração gráfica e narrativa, marcada por uma bizarria surreal e por uma energia infantil que muitas vezes se revela perversa e/ou violenta, tal como é entendida no pós-moderno movimento Superflat, dissecando a cultura japonesa do pós-segunda guerra com uma visão marcadamente otaku, a fonte de inspiração maior deste movimento artístico.
A sua obra como realizador, algo escassa, resume-se a Franken’s Gears (um segmento de Robot Carnival de 1987), Tobé! Kujira no peek (1991), a participação em Nine Love Stories com Hero (1991), Magnetic Rose (1996), o imprescindível Noiseman Sound Insect (1997), Eikyû kazoku”, também conhecido como Eternal Family (1997), o conhecido Beyond, incluido em Animatrix (2003) e Floating Bar incluido em Digital Juice também de 2003, para além de alguns anúncios e videoclips como Extra de Ken Ishii.
Destas obras, talvez Noiseman Sound Insect seja a cereja no topo do bolo. Durante 15 minutos, Morimoto expõe o seu universo pessoal, já revelado nos anteriores trabalhos, mas aqui de uma forma total e com uma mestria avassaladora, acompanhada por uma banda sonora magnífica, composta por Yoko Kanno, que revela todo o génio da compositora.
Noiseman Sound Insect conta a história de um cientista que acidentalmente, quando criava uma maquina de som, gera um monstro infantil, o Noiseman do título (inspirado, como revelou numa entrevista à alguns anos atrás, no Oogie Boogie de Tim Burton), que se torna um tirano empenhado a aspirar (literalmente) toda a música da cidade que controla. Um dos operadores desses aspiradores, Tobio, bebe o sumo de um estranho fruto atirado pelos resistentes à ordem imposta, que lhe revela um mundo onde existe o som não filtrado pelo tirânico Noiseman. A partir daí Tobio junta-se à resistência para tentar acabar o reinado do Noiseman. Esta curta consegue agarrar o espectador através de ritmos de imagem de uma inregularidade que alterna visões contemplativas com sequências muito rápidas aparentemente sem nexo, onde nunca se sabe o que poderá acontecer a seguir, acompanhado por uma banda sonora que deve ser ouvida o mais alto possível, de forma a tornar o filme ainda mais arrebatador.
Esta obra de Morimoto revela, provavelmente, os receios do que é tornar-se um adulto num mundo onde não existe espaço para quem vive em mundos condicionados pelos mundos gerados por fascínios juvenis, tal como os autístas otakus, vistos como aberrações ou mesmo ameaças aos standards da vida adulta. As suas personagens, sempre com um perfil infantil ou adolescente, são os eternos sonhadores num mundo que não os aceita, mas que mesmo assim resistem, não para manterem nenhum manifesto de intenções, mas porque não querem viver de outra forma.
O final do filme revela o statement, já citado atrás, que parece estar implícito em muitas das obras realizadas por Morimoto: a vontade de ser livre para sentir o deslumbramento de ser eternamente jovem sem a opressão dos Oogie Boogie que condicionam a realidade do mundo onde vivemos, mesmo que isso signifique viver num limbo onde não existem diferenças entre o que é virtual (tema comum nas obras de Morimoto) e o que é real.
Escito por: Nuno Barradas