O Samurai Minamoto Yoshitsune (1159-1189) é uma das figuras mais conhecidas do folklore japonês, tendo sido desde o século XII uma fonte inesgotável para peças de teatro, literatura e música tradicional. Com o passar dos séculos a lenda e os factos históricos foram sendo misturados até ao ponto de não se conseguir vislumbrar o real da lenda, garantindo a esta figura central da história medieval japonesa um lugar especial na cultura popular, mesmo durante o século XX, estando ainda hoje presente em obras literárias, filmes e séries de televisão e até jogos de computador.
No ano passado (2005) a NHK estreiou o drama histórico “Yoshitsune”, uma super-produção de 49 episódios que relatam de forma fictícia, a história do lendário Samurai, misturando elementos da ‘história oficial’ com o lado lendário (quase irreal) da vida deste Comandante Virtuoso do clan Genji, usando como base narrativa o romance ‘Heike Monogatary’ de Tomiko Miyao.
Para tal a NHK juntou um casting luxuoso onde se destacam Hideaki Takizawa (conhecido jovem actor da série ‘Strawberry on the Shortcake’ ou ‘Boku dake no Madonna’) como Yoshitsune, Ken Matsudaira (conhecido pelo seu papel no filme ‘Sutoroberi rodo’), como Benkei, Atsushi Itoh (o célebre protagonista de ‘Densha Otoko’) ou Aya Ueto (conhecida sobretudo dos fans de ‘Ace wo Nerae!’), só para citar alguns dos inúmeros actores que enchem um elenco de luxo, todos vestidos a rigor com um guarda-roupa luxuoso e deslumbrante e representando as suas personagens de uma forma eloquente, usando as regras de etiqueta e encenando de forma clara as convenções sociais da altura.
O resultado é uma contagiante mistura de factos históricos, relatados por uma narradora (a veterana Kayoko Shiraishi, conhecida por diversos papeis mais ‘históricos’, como o filme “Dark Tales Of Japan”, e que também tem um papel central nesta série) de forma ‘exacta’, com as diversas lendas presentes ainda hoje no imaginário do Bushido (o código de honra dos Samurais), onde a Honra e a Bravura se juntam a factos mitológicos vividos por Yoshitsune, como a aparição de fantasmas de comandantes rivais ou da presença de um Mestre Tengu (figuras mitológicas, que normalmente vivem nas montanhas), que iniciou o jovem guerreiro nas artes marciais.
A estrutura deste série segue, de forma mais ou menos rigorosa a história de Yoshitsune e dos seus vassalos, dando sempre claras introduções sobre os factos históricos, envolvendo o espectador em todos os episódios.
(atenção, a partir deste ponto, este artigo contém spoilers)
Resumidamente, a narrativa da série é a seguinte:
Yoshitsune era o irmão mais novo de Minamoto Yoritomo, fundador do shogunato de Kamakura, e o nono filho do samurai rebelde Minamoto no Yoshitomo, principal protagonista da chamada ‘Revolta dos Heiji’ (ou Genji) em 1159, contra o clan Heike (também conhecido como Taira), que então liderava o Japão com o suporte da Corte e do representante do Imperador em Kyoto (na altura a capital do país).
Poupado pelo líder dos Heike, Taira Kiyomori, o jovem Yoshitsune foi criado no templo de Kurama (norte de Kyoto), onde estava destinado a tornar-se monge, até começar a ouvir rumores de novas revoltas contra o clan Heike no norte do país, centradas na figura do seu irmão mais velho, Yoritomo, então exilado em Kamakura.
Pensando em juntar-se a Yoritomo para o ajudar nessas possíveis novas revoltas do clan Genji, Yoshitsune, que entretanto faz seu vassalo o poderoso monge guerreiro Benkei, outra figura lendária extremamente conhecida no contos folclóricos japoneses, foge de Kyoto e junta-se ao irmão, onde é encarregue de encabeçar um exército pouco numeroso em várias batalhas contra o forte exército dos Heike e do Samurai rival Minamoto no Yoshinaka (primo de Yoritomo e Yoshitsune). As vitórias espectaculares de Yoshitsune em eloquentes batalhas valeram a Yoritomo o total controle do país e a destruição de praticamente todo o clan Heike na chamada Guerra Gempei (1180-1185).
Estranhamente, após este periodo fulgurante de campanhas guerreiras em nome do seu irmão, Minamoto Yoshitsune cai em desgraça quando começa a gerar inveja e ciúmes em Yoritomo, que sediado em Kamakura, começa a entender que o seu irmão mais novo, a viver em Kyoto, começa a ganhar influência junto da corte e do representante do Imperador. Depois de ser marcado como traidor, Yoshitsune e os seus devotos vassalos sofrem inúmeras perseguições, que apenas terminam com fim trágico de Yoshitsune, então com 30 anos.
O enquadramento histórico da vida de Yoshitsune e a sua importância na história nipónica é devidamente salientado e completado por notas narrativas que revelam os principais factos que aconteceram no background da narrativa.
Simultaneamente a série mostra diversas cenas da vida quotidiana da altura, mostrando as diversas classes sociais presentes na sociedade nipónica de então (quer a urbana, quer a de zonas rurais) e como interagiam e se relacionavam entre si. Outro facto muito interessante, já salientado anteriormente, é o uso das diversas convenções sociais e linguísticas e as regras de etiqueta da altura, encenadas de forma rígida, mas facilmente compreendidas até pelos espectadores ocidentais pouco acostumados a essas subtilezas, sempre acompanhadas pelos diversos tipos de trajes (magnificamente recriados) que esses mesmos momentos tentam retratar.
Outras duas características que também deverão ser salientadas são as cenas de batalha e os factos mitológicos mostrados de forma mais gráfica. As cenas de batalha são algo ‘modestas’ no número de figurantes, se comparadas com variados filmes japoneses que se debruçam sobre as mesmas temáticas, mas que não deixam de ser impolgantes, já que estão bastante bem involvidas em toda na história (e portanto por vezes têm mesmo uma importância algo minimizada em toda a narrativa). Quanto aos diversos factos mais misticizados, estes revelam por vezes alguma exuberância (muitas vezes até a roçar o ‘piroso’), mas que são também bastante bem enquadrados na história do trágico Samurai.
Yoshitsune é decerto uma série que irá cativar todos aqueles que têm interesse na história medieval e em contos de Samurais, mas também naqueles que procuram em séries de dorama uma visão da ‘cultura clássica’ japonesa, sobretudo durante o feudalismo nipónico, mostrados numa série com algumas ‘liberdade criativas’, mas que no seu todo revela, por vezes de forma graficamente bela um dos contos mais épicos do Japão antigo.
Autor:Nuno Barradas