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Blood and Bones

Até que ponto o público se revê num anti-herói ou quais são as limitações em que podemos nos dar ao luxo de atingir na construção da nossa personagem principal, de longe aquela em que o público se deve mais identificar?

Ao longo da história de todas as cinematografias existentes nos são apresentados protagonistas assassinos, violadores, seres execráveis que deveriam ser julgados na praça pública mas que ganham a simpatia geral do espectador desprevenido. Mas nada, e reforço este NADA, nos prepara para Shuunpei Kim, o violento pai de família de origem coreana que Takeshi Kitano traz à vida neste filme de Yoichi Sai.


Chegado ao Japão numa das primeiras remessas de imigrantes coreanos a Osaka no começo dos anos 80, Shuunpei Kim ganha sucesso na industria de Kamabokos (rolos de peixe), constrói família e torna-se uma das pessoas mais temidas e respeitadas no bairro.

Mas os métodos de Shuunpei não dispensam da violência abusiva e é com horror que o vemos, na sua primeira cena, a chegar a casa e violar a mulher à frente dos filhos. A apresentação de Shuunpei adulto é esta e a sua imagem pouco ou nada melhorará, se tanto atingirá um fundo negro.

Baseado num romance autobiográfico do sul-coreano Wui Sin Chong, o filme começa com a particularidade de ser narrado por uma personagem secundária, o filho de Shuunpei. Como personagem secundária, o filho de Shuunpei é mais que um mero observador da queda da sua família. É um participante activo e desesperado que tenta salvar a mãe e a irmã de um destino mais trágico, tarefa titânica, sim, principalmente quando Shuunpei, o pai tirano, é a pessoa mais influente do bairro.


Embora somente uma personagem secundária, como narrador reforça o pé com que Shuunpei é caracterizado durante todo o filme. O ódio recorrente que o espectador ganha à personagem de « Beat » Takeshi chega a ser intolerável e pode confundir muitos quanto à opinião final a ter sobre a obra mas todo ele devem do objectivismo do filho.

Caracterizado pelo desenvolvimento episódico como um Guiseppe Tornatore crescido no meio de sangue e tripas, o filme move-se com mais interesse a partir do momento em que Shuunpei é obrigado a cuidar da sua amante que padece de uma doença que a deixa com uma grande debilidade mental. Mas antes que se chegue a pensar que Yoichi Sai aproveitará isso para acalmar os ânimos da sua personagem principal ele leva-nos para uma nova espiral de violência desmedida fazendo mesmo com que as nossas dúvidas sobre o carácter dele se tornem maiores. Quem é este que tanto ajuda uma pobre mulher como destrói tudo o resto à sua volta? Se alguma coisa, a entrada da amante faz com que Shuunpei se esqueça mais a família e a pouco e pouco as acções do filho narrador começam a ganhar maior justificação.


Drama duro, de entranhas e sentimentos recônditos, « Chi to Hone » é uma obra para ver com grande precaução. A partir de um argumento coeso afundamo-nos na representação real de uma luta por uma vida passada que aos poucos e poucos transformou alguém com tantos valores num monstro social altamente duvidoso.
Para uma boa análise de um episódio da história moderna do Japão.

Autor: Francisco Silva

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