Colecção de remisturas de nomes de primeiro plano como Fennesz, Alva Noto, Taylor Dupree, Craig Armstrong, Cornelius e Steve Jansen (dos extintos Japan), entre outros, do conteúdo do anterior “Chasm”, já por si marcado pela estética digital, “Bricolages” leva Ryuichi Sakamoto ainda mais para o interior do universo da electrónica.
Ele que começou precisamente por aí com a Yellow Magic Orchestra, afastando-se para uma dedicação intermitente ao piano e uma especial atenção às tradições populares de várias regiões do globo, numa vertente do seu percurso que ficou conhecida como “neo-geo”, título de um dos seus discos, e que teve ainda recentemente um novo episódio, com a interpretação das canções de António Carlos Jobim em parceria com o casal Morelenbaum.
Entre a experimentação, a pop, a “club music” e o ambientalismo, este álbum ilustra uma vez mais um antigo propósito de Sakamoto: “Deitar abaixo as barreiras entre géneros, categorias e culturas.” Entregar os temas de “Chasm” a músicos tão distintos para que dessem a sua própria perspectiva dos mesmos faz parte dessa estratégia e pelo que ouvimos resulta plenamente.
Aliás, já no disco que está na origem deste que agora temos entre mãos o também actor procurou a companhia de figuras que representam o passado (Haruomi Hosono e Yukihiro Takahashi, dois antigos membros da YMO) e o presente (Ryoji Ikeda) da electrónica, assim atestando que o seu objectivo é mesmo fechar o ciclo, completar o presente com o que ele próprio fez há mais de 30 anos.
As referências aí encontradas relativamente a práticas actuais nesta área são muitas, indo dos Oval a Raster-Noton, mas o certo é que “Bricolages” vai mais longe na inserção da música de Sakamoto no fenómeno electro nascido à beira das pistas de dança e por vezes até ocupando-as sem quaisquer preconceitos. Influenciado, segundo ele mesmo, por Claude Debussy, John Cage e Steve Reich, a principal característica da obra deste polifacetado artista é o não reconhecimento de distinções entre alta cultura e cultura de rua. Assim, se Cage seria incapaz de encher o nosso Coliseu dos Recreios, Ryuichi Sakamoto é, e já encheu.
Escrito por: Rui Eduardo Paes