Até à data é o meu livro favorito de Murakami. Sim, podem ficar desde já com uma perspectiva parcial da coisa. Mas ainda assim tentarei ser equitativa ao longo da exposição do artigo. É difícil sintetizar num pequeno artigo toda a dimensão deste volumoso livro mas não pretendo fazer uma análise exaustiva pois isso seria pretensioso, vou-me portanto ficar por uma mera exposição da obra.
Simultaneamente, a história de um casamento que se desmorona misteriosamente, um lamento acerca da superficialidade das políticas contemporâneas, uma investigação acerca das dolorosas, e bem guardadas, memórias da Segunda Guerra Mundial, e um romance de formação sobre a busca de identidade, pessoal e de toda uma nação, e com personagens tão surpreendentes quanto profundamente autênticas. Quase por magia, o mundo quotidiano do Japão moderno parece-nos estranhamente familiar.
Na minha perspectiva, este livro tem bem delineados os seus contrastes. Isto é, é perfeitamente possível apontar cumes de qualidade e declinações catastróficas. Toru Okada era um homem com uma vida mediana, sem grandes imprevistos, casado com uma webdesigner, filha de um político rígido e com um irmão estranhíssimo (Noboru Wataya). Quando o seu gato desaparece (por sinal o gato tem o mesmo nome do cunhado), a sua vida começa a ganhar contornos que ele nunca compreendeu e que nunca conseguiu controlar. Como se enfiado num remoinho aleatório perante o qual se torna impotente, Toru Okada parte em busca da sua mulher quando esta abruptamente sai de casa sem anuncio prévio. A busca pela sua esposa e a procura de explicação para esta súbita crise no seu casamento introduzem-no num universo recheado de situações bizarras e personagens insólitas. De entre as irmãs videntes, uma adolescente estagnada no absurdo da sua existência (May Kasahara), um velho soldado massacrado na Manchúria, naquela que foi a antecipação da Segunda Guerra Mundial e um político com largos distúrbios sexuais e estranhos poderes de manipulação maquiavélica.
Este livro tem os típicos ingredientes de um livro de Murakami: cenas sexuais amplamente descritas, twists no enredo sem um fundamento coerente por vezes a curto prazo, por vezes incoerente até ao final do livro. Reflexões sobre a frivolidade da sociedade japonesa contemporânea. Um livro essencialmente urbano, essencialmente frio e essencialmente completo.
(O que se segue é mais direccionado para quem já leu o livro!…)
Pontos altos:
As descrições de guerra são absolutamente fabulosas. São qualquer coisa de profundamente arrepiante, profundamente absorvente. São um auge de tudo o que já li de Murakami até à data, estão mesmo em grande nível. Mais: a personagem de Noboru Wataya é um pouco inexplicável por um lado, mas por outro encerra em si um sentimento muito bem conseguido de impotência, manipulação e de absurdo. A metáfora do poço é lindíssima.
Neste livro o factor descritivo não me aborrece como em outros livros do autor. Acho que se integra na história. É um livro com mais de 600 páginas e leva o seu tempo a ser lido e por isso eu sinto que que já que tenho que ler 600 páginas, então eu quero que elas me tragam tudo o que há para trazer sobre a personagem. Eu quero saber como é que ele estrela os ovos, como é que ele varre a sala. Toru Okada é um homem solitário no meio dos milhões de pessoas que existem em Tóquio (como todos os personagens centrais dos livros de Murakami). Então eu acho que aqui o leitor exige sentir a sua solidão. E a solidão dele é muito bem conseguida nos detalhes.
Mas há muito mais coisas boas: as inexplicações à lá David Lych simplesmente derretem-me. Há quem odeie Murakami precisamente por isto, eu adoro-o. O homem do taco de basebol, é um exemplo fantástico de uma metáfora a ser interpretada pelo autor que eu acho que só um escritor com muita ousadia arriscaria colocar.
O lirismo envolvido no título/conceito do livro: o pássaro de corda, o pássaro que é ouvido ao longo de todo o livro por personagens totalmente distintas, a dar corda ao mundo.
Pontos fracos:
Eu acho que de uma maneira geral a qualidade intrínseca do livro começa a decrescer no final. A personagem de Akasaka não me convenceu minimamente. Sim, de facto quando se é um fugitivo de guerra traumatizado pela violência, uma das coisas mais lógicas nas quais uma pessoa se quer refugiar é no design de moda. Não faz muito sentido, para além de ser uma personagem marioneta sem grande densidade própria. Um apoio para realçar a personagem principal como de resto já se tem assistido em vários livros do autor, este tipo de esquemas. Embora eu ache a personagem de Nós Moscada interessante.
>Bom, enfim, à parte de tudo isto é um livro envolvente que sabe como captar a atenção do leitor, fazendo-o atravessar a espessura das folhas sem que este dê minimamente por isso. Um livro a não perder por qualquer amante de literatura moderna!
Escrito por: Sara F. Costa
tathi
muitoooooooo legal parabens pela a cronica adoreiiiiiiiiiiiiiiiiiii