De entre os músicos que ajudaram a definir o som “eleki”; destaca-se Takeshi Terauchi, ou na sua versão anglicizada Terry, que, acompanhado pelos Blue Jeans, elevou o instrumental a níveis nunca sonhados no ocidente. O seu golpe de génio não foi, contudo, o exponenciar dos caracteres dos seus comparsas ocidentais, já de si um feito notável, mas antes a inclusão de instrumentos tradicionais japoneses e a gravação de versões de músicas tradicionais, como o intemporal “Kanjucho / Genroku Hanami Odiri”, que agradavam a gregos e a troianos, isto é, às geraçõees mais novas e às mais idosas. Nos anos do “eleki” outras figuras despontaram, tais como Jimmy Takeushi e os seus The Exciters ou Yuya Uchida, uma personagem omnipresente no rock japonês que viria, anos mais tarde, a formar os Flowers, que por sua vez dariam origem aos Flower Travellin Band.
Para além de uma estrutura musical facilmente identificável, o estilo “eleki” traduzia ainda o gosto, ou melhor obsessão, dos japoneses por filmes de espiões, por surf, e pelo mundo motorizado. Exemplos disso são “Squad Car” e “King Of Surf Guitar” de Terauchi, “GTO” e “On The Beach” dos The Three Funkys, ou ainda “Ride The Wild Surf”; dos Spacemen. Num ambiente em que tudo parecia válido houve ainda espaço para versões de temas populares no ocidente como “Misirlou” e reinvenções de música clássica como “Symphony No.5”, ambos pelos Bunnys, outro dos grupos de suporte de Takeshi Terauchi.
Com o “eleki” aparecem concomitantemente os idoru ou ídolos, músicos com uma exposição mediática sem precedentes, e que no seu conjunto eram um verdadeiro panteão de divindades com uma influência ilimitada sobre os seus devotos, mas limitada às ilhas japonesas, pois no ocidente ninguém fazia ideia de quem eram. Nessa altura surgem igualmente os filmes de exploração dos movimentos juvenis, cujos actores principais eram esses mesmos idoru, e cujas similaridades com as películas protagonizadas pelos Beatles ou por Elvis são evidentes, e o aparecimento de programas televisivos como o Hit Parade.
Basicamente, estes programas de divulgação musical eram um prolongamento dos tentáculos das editoras discográficas que procuravam assim capitalizar os efeitos da inovação mais revolucionária no domínio da comunicação de massas: a televisão.
Um dos apresentadores desses espectáculos televisivos era o idoru Yuzo Kayama, músico “eleki” que assegurou as primeiras partes dos concertos dos Ventures no Japão em 1965, e que no final da digressão recebeu a honra de ser presenteado com uma das Mosrite especialmente desenhadas para os norte-americanos. A população seguia avidamente estas emissões, não sendo pois de estranhar que tenha sido nos estúdios televisivos que surgiu o fenómeno que iria suceder ao “eleki”.
Num clima ensombrado pela iminente invasão britânica, que já se fazia sentir nos Estados Unidos e que viria a tomar de assalto o Japão, Yuzo Kayama entrevistava Yoshikawa, baterista dos Blue Comets e, assumindo uma postura provocadora, questionava-o quanto ao sentido que faria no Japão o rock’n’roll, já que a esmagadora maioria da população nem sequer era capaz de pronunciar correctamente o nome do género musical pelo qual se havia apaixonado nos últimos anos.
Yoshikawa admitiu a dificuldade que ele próprio sentia na pronunciação, mas operando uma inversão dos papeis entrevistador-entrevistado, questiona Yuzo Kayama sobre que nome deveria então ser atribuído a uma cena musical cujo emergir era inevitável e imparável. Kayama pára por uns momentos, reflecte, e responde: “e porque não chamar a esta música “group sounds”?”.
No curto espaço de um mês o público abraçou esta nova moda como se fosse a única que alguma vez tivesse existido, e bandas como os The Mops, The Jacks ou The Golden Cups, assumiram o protagonismo. Os vocalistas voltaram a ser uma mais valia, e as versões de músicas ocidentais que os novos grupos japoneses gravavam reflectiam as influências que se faziam sentir, na sua maior parte imanentes da costa leste dos Estados Unidos. Em 1968 os The Mops gravam “Psychedelic Sounds in Japan”, e os The Golden Cups assumiam atitudes, tais como snifar cola, muito diferentes do mecanicismo e estereotipia “eleki”. Este era contudo um movimento completamente controlado pelos grandes gigantes corporativos Watanabe Pro e Asuka Pro.
Seria preciso esperar mais alguns anos pelos Taj Mahal Travellers e Takehisa Kosugi, pelo regresso do exílio na Grã-Bretanha de Yuya Uchida, por Keiji Haino e o seu colectivo de inspiração em Albert Ayler Lost Aaraaff, pelos Rallizes Denudés, Far East Family Band, e Magical Power Mako, para assistirmos ao verdadeiro descolar em direcção ao cosmos infinito da música psicadélica japonesa.
Ler a primeira parte do artigo [Eleki – parte I]
Escrito por: Henrique Vicente