Destinada para um público que não é bem o estereótipo de amante de anime, esta série, a par de Monster, é dos melhores exemplos que podem encontrar a nível de obras mais maduras, assim como das que poderão extravasar as ideias que muitas pessoas podem ter de anime, passando certa fronteira e, consequentemente, chegando a outro tipo de público. Como tal, muitas destas séries estão igualmente sujeitas a ficar numa espécie de limbo visto que os fãs mais tradicionais de anime preferem em geral outras coisas, enquanto o resto acarreta estigmas e clichés como anime é para putos, é simplesmente bonecos bla bla bla.
Um dos pormenores comuns em muito do anime deste género passa logo pelas músicas empregues no genérico de introdução e no dos créditos finais. Ao contrário de tantos outros exemplos onde pauta a pop japonesa ou rock japonês sem grande sentido de ligação ao anime em si e que muitas vezes causa um choque tremendo entre ambos, nestes casos costuma estar tudo muito ligado e pensado ao pormenor. Texhnolyze segue essa tradição com uma “intro” despoletada pela excelente faixa Guardian Angel de Juno Reactor, por sinal um dos meus projectos de culto a nível de música electrónica. A música dos créditos final é japonesa e bastante mais calma e melancólica em contraste, encaixando que nem uma luva na altura em que surge e em relação ao conteúdo da série..
A história coloca-nos num ambiente futurista apocalíptico com ligações em certos aspectos a ambientes cyberpunk, com a série a decorrer na cidade decadente que dá pelo nome de Lukuss. Nesta “gangs”, máfia, pobreza e, mais importante que tudo, implantes cibernéticos de membros que dão o nome à série, convivem numa degradação social sem piedade, que reflecte alguns dos recantos mais sórdidos da natureza humana. Para quem ainda tinha dúvidas, isto é tudo menos uma série alegre ou para quem não é paciente. Texhnolyze não se coíbe de mostrar cenas violentas e a narrativa avança muitas vezes visualmente e não por diálogos convencionais, a tal ponto que o primeiro episódio não tem quase falas nenhumas, mas é um “tour” de force visual portentoso.
A animação, apesar de todo o ambiente negro, é um dos pontos altos, notando-se uma atenção ao pormenor quase obsessiva em certas cenas, assim como o uso de diversos efeitos e filtros gráficos, como a visão cibernética sempre que mostram o mundo pelos olhos de alguém com implantes. Tudo isto dá ao todo um aspecto algo cinematográfico e a qualidade mantém-se alta e coesa ao longo de toda a série, o que é de louvar porque outras séries de TV têm tendência a incoerências e inconsistências qualitativas devido a mudanças na equipa que vai fazendo os episódios.
A nível de personagens há algumas centrais, com destaque para Ichise, um lutador de rua, Onishi, que é um dos líderes da máfia local, Yoshii, uma misteriosa personagem que está de passagem por Lukuss, e Ran, uma rapariga que recebe estranhas visões do futuro. Tanto o percurso das personagens como a narrativa não são fáceis de seguir, e mesmo após o final há muita coisa que fica no ar e sujeita à interpretação pessoal de cada um. Tendo em conta que Texhnolyze conta com elementos que trabalharam em séries como Serial Experiments Lain e Haibane Renmei, não haver respostas fáceis a certas questões já parece ser da praxe.
Para quem gosta de ambientes mais realistas, sérios e futuristas, esta é uma excelente proposta, mas há que ter em conta o ritmo lento das coisas, assim como o ambiente depressivo de toda a obra, que no final requer uma pré-disposição particular para apreciarmos uma série como esta como deve ser, o que nem sempre é fácil nem há vontade.
O final da série, sem entrarmos em spoilers, acaba por ser o culminar de tudo, tornando Texhnolyze num gigantesco soco no estômago, sendo complicado alguém ficar indiferente após ver a série, ao contrário de outros exemplos, como Ergo Proxy, que após tanto potencial inicial perdeu-se radicalmente e culminou de maneira fraca, ao ponto de me fazer questionar porque perdi o meu tempo.
Texhnolyze não é a “best thing ever”, nem é perfeita, apostando mais em mostrar-nos uma visão pessimista do futuro, do que somos capazes (como seres humanos) e dos vários elementos presentes na cidade imaginária de Lukuss, do que própriamente numa narrativa totalmente clara ou focada apenas no percurso das personagens. Estas últimas não têm sequer a profundidade de outras séries e muito fica no ar sobre elas. O foco de Texhnolyze é no fundo a experiência em geral, que recomenda-se vivamente.
Escrito por: Nuno Almeida