Este é um exemplo de que nem todos os talismãs têm que ser kawaii para ganharem popularidade. Aliás, um dos talismãs de boa-sorte mais populares no Japão, não tem braços, pernas nem olhos.
O Daruma (達磨 Daruma), é um boneco feito de papier-machê (ou, por vezes, de madeira), redondo e oco, geralmente de cor vermelha, representando um homem barbudo. Embora cada um dos componentes da sua imagem possua um significado específico, julga-se que a aparência do Daruma terá sido inspirada na imagem de Bodhidharma, fundador da componente Zen do Budismo.
O aspecto destes bonecos pode variar com as regiões e artistas pelos quais são concebidos, e actualmente, podem encontrar-se Daruma de muitas outras cores para além do tradicional vermelho, no entanto, a sua carga simbólica, é uma característica constante, mesmo que representada de maneiras diferentes.
O Daruma é visto pelos japoneses como um símbolo de perseverança e boa sorte, o que o torna um presente bastante popular, nomeadamente quando está em questão encorajar alguém a lutar por algo ou a ultrapassar uma dificuldade. Além disso é também um talismã indispensável quando há um objectivo a alcançar ou um desejo a realizar.
A tradição de associar boa-sorte ao Daruma, começou na cidade de Takasaki, onde o fundador do Templo de Daruma (ou Daruma-Dera), começou a fazer talismãs que representavam Bodhidharma e que seriam oferecidos e guardados pelos paroquianos para que trouxessem felicidade, prosperidade e protecção de acidentes e infortúnios. Acredita-se então que o Daruma teve origem nesta Takasaki, mas rapidamente se difundiu a outros locais, ganhando tanta popularidade que ficou mesmo a ser conhecido como mascote da região.
O aspecto do Daruma, particularmente a forma, cor, olhos e barba, possuem cada um a sua história e valor simbólico. Por exemplo, a barba dos Daruma é feita de modo a que sugira a carapaça de uma tartaruga, já que este animal é um símbolo de longevidade. O mesmo poderá ser dito relativamente às sobrancelhas, que pretendem aparentar um grou. Originalmente aquilo que se considerava ser representado na barba e face, eram uma serpente e um dragão, no entanto houve alteração para tartaruga de modo a enfatizar o desejo de longevidade.
Embora não seja certo, julga-se também que a cor vermelha dos Daruma é devida à cor dos trajes dos padres mais importantes, nomeadamente de Bodhidharma que é muitas vezes representado com um robe vermelho. Além disso o vermelho é, no Japão, considerado como uma cor que protege o aparecimento de doenças ou auxilia na cura dos males que já existem. Durante o Periodo Edo, o Daruma era mesmo utilizado como protector contra a varíola, sendo a sua “função” vigiar e proteger uma pessoa ou um lar dos demónios que responsáveis por este mal. Por outro lado, julgava-se que o vermelho era uma cor que agradava particularmente o Deus da varíola, o que motivava as pessoas a fazerem altares cheios de adornos e talismãs vermelhos, de entre os quais, um Daruma seria uma “peça” indispensável
De igual importância é o facto de que, mesmo redondos, os Daruma são feitos de modo a nunca caírem (os bonecos com esta faculdade são, no Japão, denominados de Okiagari, o que significa basicamente “manter-se de pé”, “Levantar-se”). Esta característica simboliza a habilidade de alcançar sucesso, de ultrapassar adversidades e de recuperar de infortúnios. Por causa deste facto, o Daruma é muitas vezes associado à expressão “Nanakorobi Yaoki”, que significa “7 vezes abaixo, 8 vezes para cima”, considerada por muitos como uma frase de encorajamento e um apelo para nunca se desistir de algo.
Outra característica notória é o facto de os olhos de um Daruma acabado de comprar, serem brancos. Considera-se que são uma maneira de relembrar e alcançar grandes objectivos e motivar alguém para levar um trabalho até ao fim. Após definir um objectivo, pinta-se um dos olhos do Daruma, e depois, quando esse objectivo for finalmente alcançado, pinta-se o outro. Assim, cada vez que se olha para um Daruma com apenas um dos olhos pintado, o objectivo ou tarefa em causa, são relembrados.
Uma outra explicação para o inicio desta tradição é que para motivar o Daruma ajudar-nos a alcançar um desejo, é feita a promessa de que lhe será dada a visão total assim que o desejo em causa for realizado (pintar o segundo olho seria um sinal de gratidão devido à intervenção de uma entidade, alheia a este mundo, na concretização da nossa vontade). Este hábito originou mesmo a frase “ambos os olhos abertos”, que expressa a realização de um objectivo. Um bom exemplo são os políticos japoneses que, em altura de eleições, são muitas vezes vistos, junto à sede dos seus partidos, com Darumas em grande escala e outros amuletos adquiridos em templos para que a vitória seja garantida.
Existe mesmo um Daruma-ichi (達磨市), ou seja, um festival anual dedicado aos Daruma, organizado pela cidade de Takasaki, uma vez que é a cidade natal destes bonecos. O festival é levado a cabo no Shorizan, o nome do Daruma-Dera de Takasaki, sendo a afluência de cerca de 400.000 pessoas vindas de toda a região kanto (e não só) com a intenção de comprar um novo boneco da sorte para o ano que se segue (os Daruma só têm a duração de um ano, sendo substituídos por cada novo ano que chega). Assim, no fim de cada ano, os Daruma são levados de volta ao templo onde foram comprados para a tradicional cerimónia de Queima dos Daruma (Daruma Kuyo, だるま供養). Esta cerimónia é festejada uma vez por ano, geralmente logo a seguir ao dia de entrada de um novo ano, sendo as mais conhecidas festejadas nos templos Nishi-Arai Daishi e Dairyu-ji. Nestes eventos, as pessoas trazem para o templo os Daruma que possuíram durante o ano e depois de lhes expressarem a sua gratidão, voltam a deixá-los no templo e compram outros novos para o ano que se segue.
Todos estes Darumas são então queimados em conjunto no templo, após uma solene cerimónia.
Autor: Carolina Ventura