“Sosuke” é uma criança de 5 anos, que vive com a sua jovem mãe “Risa”, numa pequena cidade portuária, no sul do Japão. Certo dia, encontra um peixinho de cor vermelha preso numa garrafa, com um aspecto um tanto ou quanto estranho. Uma amizade começa entre os dois, e o jovem dá o nome de “Ponyo” ao seu novo amigo. Contudo, “Ponyo” não é um peixinho normal, mas sim uma princesa dos mares chamada “Porishamirudin”, que possui poderes mágicos. Após lamber um pouco do sangue de uma pequena ferida de “Sosuke”, começa a assumir características humanas, como a fala ou o gosto por fiambre.
“Fujimoto”, o pai de “Ponyo”, vai buscar a sua filha e leva-a de volta para o mar. O progenitor da princesa é um humano que rejeitou a superfície do mundo e a sua espécie, e que agora tenta, através da magia, rejuvenescer os oceanos que se encontram poluídos devido à loucura dos homens. No entanto, o desejo de “Ponyo” em se tornar humana e de se juntar a “Sosuke” é muito forte, e consegue fugir para o lado do seu amigo outra vez.
Durante a sua fuga, “Ponyo” inadvertidamente liberta o conteúdo das poções mágicas de “Fujimoto”, o que provoca uma tempestade gigantesca que assola a cidade onde vive “Sosuke”. Desesperado, e sem saber como agir para resolver a rebelião da sua filha, “Fujimoto” recorre à ajuda da mãe de “Ponyo”, a deusa “Guanmamare”, o ser mais poderoso dos sete mares.
Quatro anos depois de “Howl’s Moving Castle”, o mestre Miyazaki daria corpo a mais um filme de animação, intitulado “Ponyo On a Cliff”. Desta vez, e como o próprio realizador confessou, a sua inspiração residiria em muito na obra “A Pequena Sereia”, do aclamado escritor dinamarquês Hans Christian Andersen. Cabe ainda referir que existiram mais algumas referências, desta vez de ordem real, onde Miyazaki foi beber. Por exemplo, a cidade portuária onde decorre a acção é baseada numa povoação real chamada Tomonoura. A própria personagem de “Sosuke” é baseada no filho de Miyazaki, Goro, ele próprio um realizador de animação e criador do filme “Tales From Earthsea”. A alusão à família não termina por aqui, pois “Toki”, uma idosa rezingona que vive num lar, é baseada na mãe de Miyazaki.
Tendo sido o único filme de animação da história a vencer o prémio atribuído à melhor banda-sonora nos “Japanese Film Awards”, merecendo ainda uma menção honrosa no Festival de Veneza, “Ponyo on a Cliff” pertence ao grupo de filmes de Miyazaki com uma lógica mais infantil, dos quais o expoente máximo será “My Neighbor Totoro”. Não estamos perante uma obra demasiado elaborada a nível argumentativo, notando-se efectivamente que se tratará de uma película que agradará de sobremaneira às crianças. Da minha parte, tenho alguma pena que a história pessoal do pai de “Ponyo”, o humano “Fujimoto” tenha sido algo descurada. Existe algo que desperta a nossa curiosidade no sentido de querer conhecer algo mais acerca desta personagem em concreto.
Embora se depreenda que “Fujimoto” se encontra extremamente desiludido com a actuação dos seus pares, no que toca à maneira como os mesmos tratam os oceanos. Igualmente a relação entre “Sosuke” e o pai, não é abordada significativamente. Os pais são algo descurados nesta história, pelo contrário as mães não, porquanto “Risa”, a progenitora de “Sosuke” tem um papel essencial na trama. Igualmente, na segunda parte da película, a deusa “Guanmamare”, mãe de “Ponyo”, assume-se como um dos elementos primordiais, e verdadeiramente decisivo no que concerne ao epílogo. Provavelmente, estaremos perante uma das características mais prementes das obras de Miyazaki, que consiste em expor elementos femininos muito carismáticos, e com uma força e determinação, que nada se compadece com o termo “sexo fraco”.
A vertente ecológica está omnipresente, não fosse esta uma obra onde o meio marítimo assume um destaque inolvidável. Miyazaki oferece-nos mais um olhar sob a loucura dos homens, que devastam o mar com comportamentos poluidores primários. No entanto, está implícita a velha mas sensata ideia que a natureza se pode revoltar perante as agressões a que está sujeita por parte da humanidade, e terá mecanismos de auto-defesa que merecem ser respeitados. A ideia já havia sido explorada em anteriores obras do realizador, dos quais destaco neste particular, o soberbo “Princess Mononoke”.
A animação, por sua vez, evidencia-se num plano elevadíssimo, e que serve apenas para confirmar que Miyazaki é o maior e melhor realizador de animação vivo. Na história, apenas Walt Disney poderá disputar-lhe o trono. Não é à toa que Miyazaki é conhecido como o Walt Disney japonês. Em “Ponyo on the Cliff”, Miyazaki esmerar-se-ia de sobremaneira, não fosse este o filme que possui mais desenhos individuais (muitos feitos pelo realizador), com um número superior a 170.000 imagens diferentes. O mundo marinho criado pelo autor japonês, é algo bizarro, mas de uma beleza por vezes indescritível. E a nível do desenho das personagens, destaco a deusa “Guanmamare”, que está verdadeiramente impressionante. Existe quem defenda que o realizador neste filme pretendeu dar um corpo fiel à imaginação de uma criança. Sou obrigado a expressar aqui a minha anuência, pois é precisamente isso que transparece.
Não restam dúvidas que “Ponyo on the Cliff” revela ser um bom filme de animação, mas falta algum brilhantismo de obras anteriores do autor. Atrever-me-ia mesmo a afirmar que é capaz de ser a sua película menos emblemática, e com uma pujança diminuída. Mas quando se atinge o nível de certas películas de Miyazaki, é normal que a exigência e a bitola sejam inapelavelmente colocadas num nível muito elevado. E, como em tudo na vida, é extremamente complicado manter o nosso trabalho numa velocidade de cruzeiro sem fim. Agora, e na decorrência do exposto, há que admitir igualmente, sem qualquer tipo de rodeio, que a pior película de Miyazaki seria eventualmente o topo para qualquer outro autor.
Não é a histeria ou o “mito Miyazaki”, é apenas a constatação de uma realidade facilmente apreensível. Embora não seja um filme que tenha uma temática relacionada com o Natal, é do conhecimento público que os filmes de animação têm uma especial prevalência na época em que vivemos. Fica então o conselho para quem tem filhos, irmãos pequenos, ou outros petizes lá por casa, no sentido de, se puderem, arriscarem a mergulhar no mundo mágico de “Ponyo on the Cliff”.
Julgo que não se arrependerão.
Escrito por: Jorge Soares (shinobi-myasianmovies.blogspot.pt)