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Ghost in the Shell

Em 2029, as ligações directas da mente humana à rede informática tornaram-se algo de banal, tal como a cibernética que permite a substituição de partes de corpos humanos, a utilização de um cérebro humano integrado num corpo diferente, parcial ou totalmente artificial, ou mesmo a utilização de cérebros artificiais, preenchidos com um “espírito” duplicado. Os crimes mais perigosos estão relacionados com a violação (“hacking”) do “espírito”, para os mais diversos fins, nomeadamente para o desvio de fundos. Um indivíduo pode assim ser transformado numa verdadeira marioneta, ao serviço de um mestre criminoso que lhe atribui memórias artificiais, enquanto o usa para a prossecução dos seus objectivos.

Na Hong Kong do futuro (sob administração japonesa?), foram criados departamentos especiais da polícia para o combate a esses crimes, alguns dos quais recorrem a meios à margem da lei, não assumidos oficialmente pelo governo. Um novo criminoso anda à solta na rede, sendo conhecido por “Mestre das Marionetas”, devido à facilidade com que ganha controle de inúmeras “conchas”, para cometer crimes, como manipulação do mercado bolsista, espionagem ou terrorismo. A Secção 9, liderada por Kusanagi Motoko (Tanaka), conhecida como “Major”, segue o seu rasto. Baseado na manga de Shirow Masamune, com guião de Ito Kazunori.

O argumento de «Kokaku Kidotai» é mais denso do que complexo, uma vez que há uma série de relações perceptíveis entre interesses políticos e os acontecimentos que presenciamos, só que a narrativa desenrola-se num espaço de 80 e poucos minutos, contendo material para um filme de duas horas e ainda há tempo para uma bela sequência, em jeito de promoção da excelente banda sonora de Kawai Kenji, destinada a capturar alguns momentos de introspecção da personagem de Motoko. É um daqueles filmes que exige muita atenção por parte do espectador, não sendo de todo recomendável o visionamento a altas horas da noite. Talvez seja mais proveitoso deixar a completa apreciação de todos os enlaces e pormenores tecnico-cibernéticos para uma segunda ou terceira visita à obra de Oshi.

No cerne do filme temos uma intriga política entre diferentes secções da polícia, uma ligada mais directamente ao governo e a outra dependente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, além da entrada em cena de representantes duma república asiática, que se afirma uma jovem democracia e parece mais interessada em dar guarida a piratas do cyberespaço. Surge então o Mestre das Marionetas, que inicialmente se julga ser um hacker americano.

Apesar da acção ser praticamente irrelevante no conjunto do argumento, o filme contém algumas sequências movimentadas muito bem realizadas do ponto de vista artístico. Tudo aqui é criteriosamente trabalhado, desde a animação propriamente dita, à iluminação, à montagem e aos efeitos sonoros. Não estamos definitivamente perante um “filme de acção”; os temas centrais de «Ghost in the Shell» são a preservação da identidade humana num mundo em que a maior parte dos indivíduos já tem pouco de orgânico e a possibilidade de se manter a individualidade quando o cérebro (a alma) é uma criação informática, manipulada, ou uma duplicação das emoções e memórias de outra pessoa. É sobre a alma e a consciência, quando o conteúdo do cérebro humano puder ser totalmente convertido em impulsos eléctricos e transmitido através de uma rede informática, duplicado ou alterado, e transferido para outro corpo. Poderão conviver dois “espíritos” num mesmo corpo? A partir daqui é fácil de conceber a existência de um ser que vive sem precisar de uma existência física, um ser que vive numa rede informática, transferindo-se de corpo para corpo, da mesma forma que se movimenta de computador para computador. Outra das perguntas-chave é: um ser que parta para a Rede e que abandone o seu corpo ou um programa informático que ganhe auto-consciência e integre memórias de outros “espíritos”, recolhidas ao longo da sua vida, em que medida é que se assemelhará àquilo que nós definimos como um ser humano?

Os temas da humanidade de seres artificiais foram abordados com alguma frequência na literatura e no cinema, como no clássico «Blade Runner», de Scott ou no mais recente «A.I.» de Spielberg, talvez demasiado preocupado em ser “bonito” e ter impacto melodramático, para poder explorar realmente bem o tema. No que toca a animé, em 2001, Rintaro revisitou «Metropolis», apresentando, uma vez mais, uma máquina que deseja a humanidade, revoltando-se contra as linhas de código que lhe comandam o cérebro. O filme de Oshii, baseado na manga de Shirow Masamune, é um produto sem falhas a apontar, construído meticulosamente de raiz, sem um milímetro de filme desperdiçado com futilidades ou concessões, e que recebeu aplausos unânimes da crítica e de cineastas como James Cameron, tendo tido influência considerável em filmes como «The Matrix».

Numa manobra comercial inovadora, o filme – co-produção Japão/Reino Unido – estreou no Reino Unido poucos dias depois do Japão e poucos meses depois nos EUA. Mas não foi ainda nessa altura que a animação japonesa entrou definitivamente no “mainstream”, apesar de existirem, espalhadas por todos os cantos do mundo, pequenas comunidades de apreciadores desta cinematografia. O facto da Disney ter adquirido obras importantes do Studio Ghibli, mas não se ter esforçado muito para as lançar, também não ajuda, mas, recentemente, a Columbia e a DreamWorks parecem interessadas em inverter a situação, providenciando a estreia de alguns filmes, sem insistirem na manipulação das versões originais e até dando algum espaço às versões faladas em japonês. Assim teremos, com alguma sorte, maior divulgação de filmes como «Metropolis», «Cowboy Bepop» ou «Millenium Actress», seja a nível de estreias em sala – por cá, infelizmente, é mais provável chegarem apenas em versões em inglês –, seja em DVD/Vídeo.

«Ghost in the Shell» conta com uma excelente banda sonora de Kawai Kenji e com um hipnótico tema musical, interpretado por Higuchi Saeko e revisitado várias vezes durante o filme. O design de personagens tem a assinatura de Okiura Hiroyuki, realizador de «Jin Roh».

Autor: Luis Canau (http://www.asia.cinedie.com)

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