O que me levou a interessar-me por explorar Gingitsune foi uma certa intuição de que seria um anime focado na ambiência do que o Japão tem de mais tradicional, bem como reminiscências de Hanasaku Iroha (que adorei, e se gostaram também vão gostar deste), Natsume Yuujinchou, ou mesmo de Inuyasha (de uma certa maneira…).
Hiroshi Yamaguchi, o escritor da série, consegue prender-nos logo no primeiro episódio mas até diria que se deve dar muito mais mérito aos ilustradores de ambientes e efeitos atmosféricos, pois esta série é uma festa de água, luz, reflexos, névoas e afins, com a particularidade de não ser exagerado nem deixar de ter um desenho realista. O contexto parece muito simples à primeira vista: cidade pequena entre as montanhas, Inari Jinja é um belo santuário xinto no topo de uma colina e onde mora a protagonista com o pai, Makoto é uma rapariga adolescente capaz de ver os mensageiros dos deuses desde a infância. Na verdade é precisamente por causa desta simplicidade fundamental (e não original) que depois é possível fazer a série evoluir para um enredo rico em relações interpessoais, não só entre os humanos mas destes com os entes divinos.
Pode dizer-se que esta série de anime é sobretudo dedicada à relação entre Makoto Saeki e o “mensageiro dos deuses” do santuário da família desta – Gintaro. Este é uma espécie de Kami intermédio no panteão xinto e, pelo menos segundo este anime, os sacerdotes (mesmo que ainda não oficialmente) conseguem interagir com eles a nível físico. Durante os primeiros episódios Makoto é a única que consegue fazê-lo mas depois aparece um rapaz (da idade de Makoto e com uma história de vida algo semelhante) que também está “agarrado” a um destes seres sobrenaturais. O aparecimento de Satoru Kamio tem um timing perfeito nesta série. Introduz uma nota de mistério, é um personagem emocionalmente complexo e cativante e proporciona uma segunda linha de narrativa dedicada à relação daquele com Haru (o mensageiro).
Quanto a personagens preferidas, devo confessar que tenho uma tendência para escolher aquelas que não são as de destaque mas que acabam por ser fundamentais na fluidez como os acontecimentos progridem e na homogeneidade do ritmo do dia-a-dia. Neste caso é o pai de Makoto – Tatsuo Saeki. Ele funciona amiúde como o comic-relief, agindo de um modo algo tonto e sendo totalmente incompetente para sacerdote-chefe visto que não consegue ver nem interagir de modo nenhum com os deuses ou os mensageiros.
Tatsuo também é directo sem ser rude e profundamente inteligente no que toca a entender as emoções dos adolescentes, mas por outro lado é desbocado e fala antes de pensar, o que é estranho para um adulto mas mostra a sua pureza de coração. À medida que os episódios progridem apercebemo-nos que a sua relevância para o modo como os acontecimentos se desenrolam é maior do que pensávamos, são também dadas várias sugestões de que Gintaro o respeita profundamente e até fica no ar se ele não será capaz de sentir os entes divinos de alguma maneira.
Através das outras personagens visitamos diferentes ambientes e dramas mas a série não perde de vista o propósito de ser praticamente um catálogo do “espírito nipónico”. Como se não bastasse seguir a vida no santuário e tudo o que tem a ver com deuses xinto também passamos por um templo budista, uma casa de treino para mestres de chá, e uma equipa de kendo!
Gingitsune não é perfeita claro, mas tem muito para se gostar. Quanto àquilo que, para mim, é menos positivo, deixo aqui a lista:
1) Makoto e Gintaro são colocados em várias situações ao longo da série como se fossem namorados, com discussões e birras típicas do namoro adolescente, clichés como o “detto” e até uma “confissão”, o que me pareceu muito redutor no que toca a explorar a ligação entre o ente espiritual e o ser humano, ou seja, meio forçado; calculo que o tivessem feito apelando ao “kawaii” mais limitado de um eventual sector de audiência feminina, mas cai mal.
2) Depois de entrar em cena a mensageira dos deuses Haru passa a haver mais cenas com um toque de romance e despeito pois esta pequena divindade é ainda muito jovem e está apaixonada pelo seu sacerdote; até aqui podia ser engraçado mas porem a Haru a fazer cenas de ciúmes a cada 5 segundos torna-se irritante e “come” muito tempo da série.
3) Há inconsistências difíceis de engolir, como por exemplo o facto de Makoto ter dito às amigas logo no início que via os mensageiros dos deuses mas depois sistematicamente lhes ocultar quando está acompanhada de um, tendo de disfarçar que estava a falar com ele e por aí adiante; se por um lado a narrativa mostra como as amizades entre as raparigas se estão a aprofundar por outro lado parece que nem a Makoto assume verdadeiramente o que faz nem as outras a aceitam plenamente.
Não vou comentar mais porque não quero estragar a vossa experiência. Ginjitsune é uma série que se deve ver com disponibilidade e sensibilidade para fazer uma viagem nos valores e cultura mais profundos do Japão, mas com um twist que visa claramente apelar à audiência versada em anime. Foi lançada em Outubro do ano passado e os 12 episódios estão disponíveis nos sítios do costume e no Crunchyroll.
Escrito por: Inês Carvalho Matos