Haruka, estudante de 16 anos, órfã de mãe e em relações precárias com o pai, encontra uma criatura com uma máscara de raposa e é sugada por uma casca e ovo para um mundo fantástico onde faz coisas fantásticas com gente fantástica.
Podia entrar em detalhes, mas para sinopse acho que deve chegar, tendo em conta a prevalência da fórmula.
Não significa, no entanto, que o conteúdo seja desprovido de substância, como costuma ser a virtude de uma permissa em que, em termos de imaginação, o céu é o limite. Aqui também as coisas rapidamente ficam interessantes mais ou menos a partir do momento em que entramos no mundo em que todo e qualquer objecto ou estrutura é feito a partir de itens abandonados por pessoas. O tema do abandono é prevalente, ou pelo menos permanece como a força impusionadora do enredo, sendo que o foco da estória é recuperar um objecto esquecido. Assim também como um subtema de discriminação bastante pronunciado na medida em que Haruka tem constantemente de esconder a cara para não ser descoberta como humana, do qual nascem eventuais dinâmicas de aceitação, amizade e confiança, patentes na relação da Haruka com a sua ligação ao mundo, na forma de uma criatura que parece um cruzamento entre coelho, rato, e pré-adolescente precoce.
Toca certamente algumas notas familiares, e houve alturas em que não tive bem a certeza de até onde é que queriam levar a relação (o que, vistas bem as coisas, é sempre bom sinal), mas nunca fica enfadonho, e as personagens têm carácter e são interessantes o bastante para observar durante a hora e meia desta “roller-coaster ride” de perdidos e achados.
A caracterização está também à altura. Tirando talvez a mãe da protagonista, com a qual não consegui sinceramente empatizar (e subsequentemente com a perda da mesma, mas isso é capaz de variar de pessoa para pessoa), o pai demonstra algum esforço sincero, ainda que desajeitado, para se relacionar com a filha. A Haruka é uma estudante de 16 anos, e menos indefesa que o que seria de temer. As criaturas têm todas a componente imatura de fábula, o que não lhes fica se não bem, mas as principais têm carisma suficiente para se destacarem para além do estereótipo. Teo (herói) é genuinamente nervoso, conflituado e estranhamente desenvencilhado quando as circuntâncias apertam. O Barão (vilão) comporta-se totalmente como o nome sugere, excepto com o referido toque de imaturidade que tempera a maioria das personagens, e não prejudica em nada ter a voz de Iemasa Kayumi, que a maioria certamente irá reconhecer de algum lado.
A nível técnico, o filme cumpre sem falha com tudo o que promete. A animação é Pixar com panty-shots (dois ou três, mais circunstanciais que outra coisa), misturada com alguns cenários pintados à mão e segmentos de animação completamente tradicional, numa combinação interessante que faz com que este filme se separe de um qualquer Ratatui ou Finding Nemo.
Em conclusão, é um filme em que uma rapariga faz coisas fantásticas com gente fantástica num mundo fantástico. E apesar de tudo isso ter vindo a ser um pouco menos fantástico desde o Feiticeiro de OZ, continua a ter tanta força quanto a criatividade e algum bom senso de quem o realize, o que neste caso, e na opinião deste crítico, dá certamente lucro sobre o tempo gasto a vê-lo.
Autor: Sérgio