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O Castelo Andante

Num mundo mágico, que em muito se assemelha à Europa do fim do século XIX, vive “Sophie”, uma rapariga de 18 anos que trabalha numa chapelaria pertencente à sua mãe. A jovem, apesar de teimosa, é bastante insegura pois não se acha nada bonita. Certo dia, a caminho de um café, “Sophie” depara-se com “Howl”, um jovem mas poderoso feiticeiro, que se encontra a ser perseguido. Após umas quantas peripécias, o casal consegue escapar, e “Howl” ao se despedir de “Sophie”, consegue atrair a atenção da rapariga.

Tempos depois, “Sophie” encontra-se no negócio de família e recebe a visita da “Bruxa do Nada”, arqui-inimiga de “Howl”. A feiticeira lança-lhe um encantamento e “Sophie” envelhece subitamente até aos 90 anos. Envergonhada com a sua condição, a agora idosa abandona a sua cidade em busca de uma cura. No caminho, encontra a casa de “Howl”, um enorme edifício que se move graças à intervenção de “Calcifer”, um demónio do fogo.

“Sophie” passa a viver com “Howl”, o seu jovem aprendiz “Markl” e “Calcifer”. À medida que os tempos vão avançando, “Sophie” começa a descobrir a força que reside em si, para além de se apaixonar pelo mágico rebelde. No entanto, a guerra grassa pela terra, e “Howl” encontra-se embrenhado em conflitos com a sua antiga mentora “Suliman”. Tudo dependerá da força de vontade de “Sophie” para evitar que o seu amado encontre a destruição.

Baseado no conhecido romance juvenil de fantasia “Howl’s Moving Castle”, de Diana Wynne Jones, “O Castelo Andante” foi responsável por retirar Hayao Miyazaki de um período sabático de 3 anos em que esteve arredado das longas-metragens, desde o colossal êxito “A Viagem de Chihiro”. O mítico realizador de animação japonês foi chamado ao campo de batalha, depois de Mamoru Hosoda, o realizador de duas séries dos Digimon, ter abandonado o projecto. Atendendo ao currículo dos dois cineastas, em boa hora Miyazaki tomou as rédeas desta longa-metragem, dando a possibilidade de o filme ter a dimensão fantástica a que todos nós estamos habituados no que toca às obras do realizador. Que fique bem claro que não estou a fazer nenhum ataque pessoal a Hosoda, ainda para mais quando este realizou há dois anos uma longa-metragem de animação denominada “The Girl Who Leapt Through Time”, que unanimemente tem recebido excelentes críticas, tendo despontado bastante a minha curiosidade (embora infelizmente ainda não a tenha visionado). Mas temos de ser sinceros e realistas, observar “um Miyazaki” é o mesmo que falar de uma película que quase obrigatoriamente terá de estar na vanguarda do que de melhor se faz na animação mundial. Actualmente, e como já referi aqui antes, penso que apenas Satoshi Kon poderá um dia almejar a atingir o estatuto do grande mestre.

Nomeado em 2006, para o óscar de melhor filme de animação, “O Castelo Andante” constitui mais uma maravilhosa obra do realizador japonês, onde estão presentes muitos dos predicados costumeiros das obras de Miyazaki. Existe um mundo hipotético e fantástico (neste caso europeizado), onde reina a riqueza do detalhe. A animação é impressionante, com cenários de uma beleza quase sem par, tanto no que se refere às paisagens como às personagens que compõem o elenco da história. O fascínio do realizador pelas máquinas voadoras é usado e demonstrado ao máximo, sendo catalisado pelos motivos bélicos decorrentes do facto desta película se passar em tempos de guerra. O conflito entre os reinos e as suas motivações geo-políticas são exploradas o suficiente para construir um verdadeiro manifesto anti-violência, embora claramente secundarizado pela história do desenvolvimento pessoal de “Sophie” e do amor entre esta e “Howl”, para além de outros aspectos importantes como a amizade com os fascinantes residentes do “castelo andante”.

A construção das personagens da história, embora não seja totalmente original, dá mais do que para as encomendas, despertando bastante o nosso interesse pessoal. A tímida e nada confiante “Sophie” cai quase instantaneamente nas boas graças do espectador e absolutamente desperta o nosso contentamento quando progressivamente observamos a forma como ultrapassa os seus medos e receios, e torna-se numa heroína com um coração forte, típica dos filmes dos estúdios Ghibli. Aliás, um dos pontos fortes dos filmes de Miyazaki, foi quase sempre possuírem personagens femininas emblemáticas dotadas de características humanas extremamente marcantes, embora díspares entre si. Pense-se, a título meramente exemplificativo, nos casos de “San” e “Lady Eboshi” (“Princesa Mononoke”), “Nausicaa” (“Nausicaa of the Valley of the Wind”), “Chihiro” (“A Viagem de Chihiro”) ou “Kiki” (“Kiki’s Delivery Service”). “Howl” igualmente constitui uma personagem extremamente atractiva para o público. Mas quem é que não gosta da ideia do rapaz rebelde, aventureiro, malicioso e fadado a um destino trágico? Junte-se o facto de pressentirmos que uma rapariga simples e com características antagónicas às do jovem irá salvá-lo de si próprio, e já temos uma receita de sucesso. Continuando as interrogações-afirmações, quem é que não gosta de sonhar e libertar o romântico que vive em todos nós (em maior ou menor medida)?

Mas o que realmente dá um “quid” substancial a “O Castelo Andante” é sem dúvida as suas personagens secundárias, que nada devem às principais, a não ser na questão dos minutos. Em primeiro lugar temos o fenomenal “Calcifer”, que constitui o principal “comic relief” da história. No seu perfil muito próprio, o demónio de fogo enternece-nos e ao mesmo tempo arranca-nos risos sinceros, como aqueles que eu dei e testemunhei numa sala repleta do “Saldanha Residence”, em Lisboa, quando tive a felicidade de ver a estreia do filme nas salas do nosso país. No restante, há que contar com “Markl” (não o Nuno!) o rapaz que vê em “Sophie” a figura maternal feminina que parece ser para o petiz uma agradável novidade; “Cabeça de Nabo”, um espantalho que se configura como um verdadeiro protector de “Sophie”; “Heen”, o cãozinho que constitui um importante “sidekick” de “Calcifer” nos momentos mais descontraídos da película e por fim, a “Bruxa do Nada”, que depois de retornar à sua idade real, torna-se numa simpática velhinha (bem, nem sempre!) cuja senilidade granjeia igualmente alguns momentos felizes de comédia.

Apesar de ser considerada por alguns uma das obras menos emblemáticas de Miyazaki, “O Castelo Andante” constitui um dos feitos do realizador que mais colhe a minha predilecção. A doçura do enredo, consubstanciada numa história de amor bem construída e apelativa, aliada a um manancial de personagens de segunda linha do mais elevado quilate (do qual “Calcifer”, o demónio do fogo constitui um sério candidato ao “secundário” mais feliz de todos os filmes do realizador) fazem com que este “O Castelo Andante” mereça constar naquele panteão reservado aos filmes de animação que “tocam” e nunca se esquecem. Quanto às restantes características, já estamos fartos de saber. É “um Miyazaki”, ou seja, qualidade, emoção e deslumbramento garantido! É certo que falta alguma força de outras obras do realizador, mas a “O Castelo Andante” acresce mais alguma coisa que passa pelo “charme”! Esta característica muito se deve à sua aura europeizante (a que com certeza não será alheio a fonte de onde bebe a inspiração), num repertório que chama à memória o estilo dos Irmãos Grimm ou de Hans Christian Andersen.

Ah, já me esquecia! Antes de concluir este singelo texto, cabe referir que sempre se retirará desta excelente obra de animação mais algumas lições de vida para o nosso dia-a-dia, o que é positivo. Sendo assim, esclareça-se que o mais importante é aprendermos a confiar em nós próprios e acima de tudo a aceitarmo-nos, sem perder o norte de que é sempre possível melhorar! “O Castelo Andante” é uma mensagem de esperança para cada um de nós, nos momentos em que parece que não iremos superar as provações da vida, e simplesmente caímos na resignação e no desânimo. Se não nos superarmos, quem o irá fazer? Crianças e adultos aprendam, pois a vida é mesmo assim!

Um “must”!

Autor: Jorge Soares ( http://shinobi-myasianmovies.blogspot.com)

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