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Isao Takahata, falecido em 2018, é um dos mais importantes realizadores de anime, com uma obra muito diversificada e que, ao longo de mais de 50 anos, criou filmes e séries de televisão de uma beleza, pungência, força e dramatismo únicos, que só se pode equipar à obra de Hayao Miyazaki (ambos fundadores dos Estúdios Ghibli, em 1985).

Os dois monstros sagrados da animação japonesa trabalharam pela 1ª vez juntos no curioso “Little Norse Prince/Horus, o Princípe do Sol”, em 1968. Seguiram-se diversas séries de culto, como “Lupin III” (1971-72), “Heidi” (1974), “Conan – O Rapaz do Futuro” (1978) e “Ana dos Cabelos Ruivos” (1979), até começar a realizar longas-metragens em 1981, com “Chie, the Brat”, talvez o filme mais atípico da sua filmografia, mas com uma inesquecível personagem principal feminina, e em 1982, com o sublime e panteístico “Gauche, o Violoncelista” (filme que teve na Monstra, em 2018, a aguardada estreia nacional).

Seguiram-se depois, no espaço de 25 anos, 5 obras-primas, com temáticas diversas e estilos de animação muito diferentes, mas com uma humanidade e uma empatia pelas personagens sempre presentes, desde o perturbador e inesquecível “O Túmulo dos Pirilampos” (1988), o nostálgico “Memórias de Ontem” (1991), o animista e elegíaco “Pom Poko” (1994), até ao satírico e divertido “A Família Yamada” (1999), culminando no onírico e fantástico “O Conto da Princesa Kaguya”, em 2013.

“Memórias de Ontem” (おもひでぽろぽろ, leia-se Omoide Poro Poro) é um filme cheio de nostalgia, da vontade de “regressar a casa” e a uma vida mais simples e menos cheia do bulício da cidade, refletindo sobre a amizade e o amor, focando-se, em termos narrativos, em dois espaços temporais distintos na vida da protagonista principal, a infância e a vida adulta.

É também uma síntese perfeita da obra do realizador, nas temáticas que abordou ao longo de meio século: por um lado, a incidência no olhar da criança, na sua infância/juventude, perante o mundo que a rodeia, quer seja o Japão caótico e apocalíptico de “Conan” e de “O Túmulo dos Pirilampos”, ou o Japão contemporâneo, com as dicotomias tradicional/moderno, aldeia/cidade e rural/urbano, de “Memórias de Ontem”, ou ainda um Japão em fluxo, na descrição da esfera familiar e tradicional, complexa e solidária Vs. o choque de culturas e gerações d’ “A Família Yamada”; por outro lado, a sensibilidade ecológica, sintonizada com os ritmos da natureza e preocupada com a preservação do reino animal e vegetal, que observamos em “Heidi”, “Gauche, o Violoncelista” e no genial “Pom Poko”, culminando nessa obra-prima de panteísmo, de poesia e lirismo, que é “O Conto da Princesa Kaguya”.

“Memórias de Ontem” é um filme que, no meio da sua aparente simplicidade narrativa e bucolismo, trata de escolhas e de assumir a idade adulta, de encontrar deleite e equilíbrio nas relações com outros seres humanos e com a natureza, com um mundo em balanço que é preciso “alimentar” e fecundar.

Escrito por: Gaspar Garção

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