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Princess Tutu

 

O género “Magical Girl” tem constituído desde há muito um dos pilares principais da animação japonesa, mas ao longo de décadas de exploração, ter-se-á tornado esgotado, repetitivo e privado de originalidade. Depois da lufada de ar fresco trazida por “Sailor Moon”, puxando as “Mahou Shoujo” para a década de 90, todos os criadores apoiaram-se no sucesso da obra de Takeuchi Naoko, espremendo a fórmula até à última gota. Procura-se agora um novo estilo para o novo milénio. Com a sua originalidade deslumbrante, este é um papel que poderia cair como uma luva a “Princess Tutu” – não tivesse esta excelente obra passado ao lado do “mainstream” dos admiradores de anime.

“Princess Tutu” é uma série de 26 episódios dos estúdios Hal Film Maker (“Strange Dawn”, “Boys Be”), criada por Ito Ikuko (designer de personagens em “Mahou Tsukai Tai”), e emitida em 2002 na Kids Station, uma estação de TV conhecida por transmitir sobretudo reposições de séries antigas, mas também pela qualidade das poucas obras ali estreadas. A sua criadora nutriu este projecto durante vários anos, mas quando teve oportunidade de o concretizar, valeu a pena: “Princess Tutu” é uma delícia em forma animada, com uma narrativa cativante e uma originalidade ímpar – afinal, quem mais teria a ideia de criar uma heroína que enfrenta os seus adversários com passos de ballet?

Na cidade circular de Kinkan, a escola de artes acolhe na sua turma de ballet a pequena Ahiru – uma rapariga de grande coração, mas pouca ou nenhuma aptidão para a dança. Ahiru tem uma paixão por Mytho, um colega de turma que, apesar de popular e bom dançarino, é pouco falador e a sua impassividade apenas é perturbada pelo seu instinto protector dos inocentes.

Ahiru gostaria de um dia poder fazer Mytho sorrir – mas a sua demanda é perturbada por Ruu, a possessiva namorada de Mytho, e Fakir, um colega de Mytho que parece empenhado em protegê-lo a todo o custo de qualquer influência exterior. Um dia, vendo Mytho em apuros, Ahiru ouve uma misteriosa voz, e impelida por ela, transforma-se em Princess Tutu, uma “prima donna” de ballet com poderes mágicos, e descobre a verdade sobre Mytho: na realidade, este é um príncipe de conto de fadas, que sacrificou o próprio coração para banir um monstruoso corvo. Agora, Ahiru deseja recuperar todos os pedaços do coração de Mytho para os devolver ao príncipe, mas para isso terá que descobrir qual o seu próprio papel no conto de fadas, bem como o daqueles que a rodeiam… e enfrentar a vontade do escritor, o enigmático Drosselmeyer, que deseja para a sua obra tudo menos um final feliz.

Com uma história tão estranha, a premissa de “Princess Tutu” é capaz de demover todos menos os mais curiosos dos espectadores. Mas a quem lê este artigo, o crítico recomenda: não deixem que isso os desencorage. A narrativa de “Princess Tutu” merece o elogio de ser uma das mais imaginativas, interessantes e consistentes dos últimos anos, mantendo todos os que a vêm presos ao ecrã e ansiosos por ver o próximo episódio. Para quem pensa que o assunto é demasiado infantil, a recompensa virá nos episódios mais avançados, onde a profundidade, sofrimento e ambiguidade de todos os personagens são desvendados em toda a sua plenitude. Uma história 5 estrelas do princípio ao fim, algo muito raro em anime: é isso que nos oferece “Princess Tutu”.

Ao nível visual, os designs parecerão muito familiares a quem tenha visto “Mahou Tsukai Tai”, com boa razão já explicada atrás. Porém, ao contrário daquela, “Princess Tutu” não oferece ao espectador o habitual “fan-service”, demonstrando designs consistentes com as idades dos personagens: apropriadamente adoráveis, mas sem sexualidade exacerbada. Os cenários parecem ser derivados de pequenas cidades da Europa Central, sendo 100% adequados para as cenas de “ballet”, em que o cenário quotidiano se transforma subitamente em cenário de ballet clássico. Um aproveitamento admirável, e totalmente integrado na história.

 

A propósito de aproveitamento, apenas o melhor se poderá dizer da banda sonora, apesar de apenas os temas de abertura e final serem originais: toda a música de fundo é extraída directamente das obras de compositores clássicos célebres, sendo que cada episódio tem como tema central uma determinada obra composta para ballet, desde “O Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky até “Carmen” de Bizet, passando por dezenas de outras melodias que soarão familiares a quem tenha um mínimo de gosto por música clássica – e todas elas integradas com mão de mestre na animação e na história. Uma iniciativa concretizada com um resultado admirável, bem melhor do que em “Hameln no Violin Hiki”, e que pode certamente servir como uma aliciante introdução no mundo do ballet e da música clássica.

As vozes dos personagens seguem um desempenho consistente com a excelência narrativa, visual e auditiva, sendo de elogiar o trabalho de Katou Nanae, absolutamente adorável como Ahiru/Princess Tutu, Yanagi Naoki como o sacrificado Mytho, Sakurai Takahiro (Shun em “Gatekeepers”, Sasame em “Pretear”) como o severo Fakir, e Mizuki Nana (Hinata em “Naruto”) como a possessiva Ruu.

Se há algo a lamentar em “Princess Tutu”, é a sua incapacidade de cativar instantaneamente todos aqueles que poderiam potencialmente adorar esta obra. Muitos não terão a persistência para ir além do primeiro episódio, mas para todos aqueles que continuarem, a melhor das recompensas aguarda: o sentimento de concretização ao ver algo de promissor transformar-se numa memória inesquecível. Este crítico reconheceu em “Princess Tutu” o génio tão raras vezes visto numa indústria dominada pelo mercantilismo e pelas fórmulas batidas. Agora, ele sente que é a sua obrigação transmitir a todos a mensagem: Vejam. Não se vão arrepender.

Autor: João Rocha

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