Fuu, uma jovem espevitada e cheia de determinação, trabalha numa hospedaria como empregada. Um dia, dois estranhos fregueses entram para descansar: Mugen, um estranho espadachim de Okinawa, grosseiro e com a barba por fazer, vestindo bermudas e trazendo tatuagens de listras nos pulsos e tornozelos, e Jin, um samurai magro e sisudo que usa óculos. Fuu pressente que eles não são guerreiros quaisquer, mas quando ela rejeita o filho do “presidente” e os seus amigos bêbados logo a ameaçam em torturá-la, mas os dois “estranhos” decidem protegê-la.
Os guardas do “presidente” aparecem e após uma dura luta os dois são presos e condenados à morte. No entanto, eles são salvos por Fuu de uma maneira espetacular. Ela então “contrata-os” como guarda-costas para ajudá-la a encontrar um misterioso samurai que tem “perfume de girassóis”. Mesmo contra a vontade, os dois decidem ajudá-la na sua busca e iniciam uma série de estranhos encontros, nos quais o passado e a personalidade de cada um deles vai sendo lentamente desvendada no meio de lutas e muita confusão. Com a sua história como pano de fundo, a série apresenta vários aspectos da vida japonesa no tempo dos samurais, fazendo um interessantíssimo contraponto com a cultura japonesa de hoje e a visão que o Ocidente tem do Japão e dos samurais.
A animação é muito boa, mas a arte é bastante desigual, apesar de ter momentos brilhantes (e não são poucos). O CG é muito bem utilizado e as cores são excelentes. O estilo fortemente estilizado não atrapalha nada, pelo contrário, acentua a idéia de uma história de samurais elaborada sob um ponto de vista extremamente moderno. O “opening” é uma das melhores que já vi até hoje, e as cenas do “ending” são realmente lindas.
As situações de acção são boas e com bastantes cenas de lutas bem emocionantes, embora às vezes um tanto repetitivas.. O estilo de luta de Mugen, inspirado no “break dance”, é óptimo, as lutas de Jin têm lances de espada magníficos e mesmo Fuu não fica atrás com seus truques inesperados.
O conteúdo psicológico é imenso, se o público decidir prestar atenção a ele, mas que pode perfeitamente passar desapercebido se tudo pelo que o espectador se interessa são boas lutas e situações de humor. No entanto, acho que a excelente reflexão sobre como a cultura japonesa tem influenciado o Ocidente e a auto-crítica no que se refere à própria história e tradição do Japão fazem desta série um exemplo único no género. Volta e meia o narrador/comentador entra com informações que extrapolam acontecimentos da trama ou explicam pontos históricos importantes para o entendimento do enredo. Fuu, Mugen e Jin têm todos um passado sofrido e estão agora soltos em um mundo frio e desumano, no qual se precisa fazer o possível para sobreviver, e o espectador atento vai se identificar com vários sentimentos ao longo da série.
A série apresenta um tipo de humor inteligente que de certeza agradará a todos. Fuu e Mugen também contribuem com um humor mais “pastelão”, mas até mesmo o seriíssimo Jin tem umas “saídas” desconcertantes aqui e ali. Raramente se vê um episódio sem um toque de humor e alguns são totalmente hilariantes!
Samurai Champloo é do mesmo director de Cowboy Bebop, Shinichiro Watanabe, e parece um sério candidato a empatar com Bebop em termos de qualidade artística, acção e conteúdo. A série foi claramente produzida para um público internacional – inclusive todos os créditos estão escritos em inglês, mesmo que a série tenha sido feita para ser exibida no Japão (é verdade que há alguns problemas quanto a isso, como por exemplo quando escrevem “ryrics” em vez de “lyrics”…) e eles certamente conseguiram o que queriam, já que a série foi licenciada nos EUA já no quinto episódio. É claro que os autores sabem que seu público vai incluir pessoas que entendem muito de anime e que estão a espera de coisas de alto nível, mas eles conseguem corresponder ao desejo do público, com cenas espetaculares e totalmente inesperadas. Desde os personagens cheios de carisma até a qualidade da animação (isso sem falar da excelente banda sonora, que inicia com um rap e tem uma linda canção de encerramento), além das ótimas cenas de acção, Samurai Champloo tem tudo para ser um novo super hit, incorporando a visão “suja” da vida dos samurais que já conhecemos de Blade of the Immortal /Lâmina do Imortal.
Além disso, os autores da série mostram uma maturidade e consciência muito grande ao fazer um tipo de “balanço” de como a mística dos samurais é vista dentro e fora do Japão e ao apresentar factos históricos mostrando a intersecção entre a cultura japonesa e a ocidental. Esta mistura de conceitos aparece logo no “opening” onde imagens de samurais são misturados com música rap, causando de imediato uma sensação de estranheza.
Na série existem várias figuras “típicas” das histórias de samurais, mas também personagens completamente modernos apresentados com um guarda-roupa diferente (como, por exemplo, no episódio do espadachim fanfarrão que queria matar Jin e andava o tempo todo seguido por um carinha que fazia tocava música rap…).
O nome da série (que está escrita em romaji no “opening”) é intrigante. No início, muita gente brincava com o título dizendo que era Samurai Shampoo… Mas agora, e depois de vermos as várias pistas como a estrutura da série, o disco de vinil, o rap e o scratch da abertura, tenho uma teoria de que a equipa de produção da série fez um jogo de palavras e que realmente a série deveria se chamar Samurai Sample (que em japonês poderia ser escrito como sanpuru ou chanpuru), já que a história apresenta uma série de samples (amostras) da vida no tempo dos samurais através de uma colagem como nas músicas de rap, onde o “samplear” é uma prática comum (ou seja, se utilizam trechos de músicas já conhecidas, formando uma colagem musical que dá origem a uma nova música. Inclusive, na música de abertura eles falam em sampling). Não sei se isso é certo, mas estaria bem de acordo com o espírito maroto e refinado do pessoal da produção. Imperdível!
Escrito por: Selma Meireles