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Sarusuberi

Katsushika Hokusai (葛飾 北斎) é um dos maiores nomes de sempre da arte no Japão. Mesmo que o nome possa não ser muito familiar no Ocidente, bastará ver uma das suas famosas obras de arte para se saber de quem estamos a falar. Famoso por nunca ter ficado completamente satisfeito com a sua arte, lamentou no seu leito de morte (aos noventa anos) não ter vivido mais cinco ou dez anos, pois com essa idade tornar-se-ia finalmente num grande artista.

Uma das coisas mais interessantes e que cativam qualquer fã de manga ou anime a este mundo é a abordagem particular que certas obras fazem a um tema específico. Se por um lado seria normal esperar que Hokusai toma-se o papel principal numa obra em que a sua arte tem um papel de destaque, a verdade é que Sarusuberi (百日紅) toma uma opção diferente, colocando como personagem principal Katsushika Ōi (葛飾 応為), filha de Hokusai e também ela uma artista talentosa.

A acção de Sarusuberi situa-se em Edo (actual Tokyo) nos últimos anos da Era Tokugawa, acompanhando episódios diários da vida de Ōi-e, que tanto se focam na sua arte e relações familiares, como na forma como esta perspectiva a arte do seu pai e os peculiares episódios diários que experienciam juntos.

É na forma como estes episódios são retratados que Sarusuberi encontra a fórmula para o sucesso. A narrativa do filme não é muito linear, e embora criemos alguma familiaridade com os personagens, estes não têm propriamente um caminho que têm de percorrer durante o filme. O filme opta por nos mostrar pequenos momentos da vida dos personagens, apresentados de forma comovente e que são excepcionalmente bem construídos.

Estes episódios têm sempre um factor motivador: um laço de amizade ou família, uma característica específica da cultura japonesa, a inspiração para uma das obras de arte ou mesmo as razões mais íntimas que apoquentam cada personagem. Estes episódios são apresentados de forma simples, quase inocente, mas que nos fazem sentir como se tivéssemos ao lado dos personagens, criando um sentimento de intimidade que poucas obras conseguem transmitir.

As relações familiares têm também um lugar bastante especial neste filme, não só entre Ōi-e e o seu pai, mas também na relação que esta tem com a sua irmã mais nova O-nao, com a qual Hokusai tem uma relação complicada. No entanto, a relação complicada entre Hokusai e a sua filha mais nova não é alvo do maior destaque, focando-se o filme mais nos momentos ternurentos e comoventes que Ōi-e passa com a sua irmã.

Para criar o ambiente mágico do filme, há uma conjugação quase perfeita entre a excelente animação e as escolhas muito acertadas da banda sonora. A animação é bastante detalhada, tornando cada episódio do filme bastante especial, com a beleza e detalhe da animação a misturarem-se com uma fluidez que faz a história avançar a um ritmo perfeito. A banda sonora divide-se entre faixas que nos remetem para o Japão feudal e outras com uma sonoridade mais moderna, que funcionam de forma surpreendentemente eficaz neste filme.

Inspirado no manga de Hinako Sugiura (杉浦日向子) e realizado por Keiichi Hara (原 恵一), Sarusuberi é um dos melhores filmes que tive oportunidade de ver nos últimos tempos. Além de ser uma excelente homenagem ao trabalho de Hokusai e a sua influência na arte japonesa, o filme brilha também pela forma como retrata as relações familiares, a posição da mulher na sociedade feudal japonesa e algumas das figuras míticas do folclore japonês.

Embora seja um filme aclamado pela crítica e tenha recebido prémios devido à sua excelente qualidade, a verdade é que me parece que Sarusuberi continua a ser uma jóia um pouco escondida no universo cinematográfico da animação. Vale mesmo muito a pena, é quase como um sucessor espiritual dos filmes de Satoshi Kon.

Escrito por: Nuno Rocha

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