Há quem viva apaixonado com viagens no tempo e todas as possibilidades (meta)físicas que daí decorrem. Quem procure por filmes e livros sobre este tema e depois disse que meticulosamente as incoerências do enredo, sonhe com múltiplas dimensões e complexifique a história com intermináveis “E se”s.
Se calhar este indivíduo começou a despertar para o tema com a trilogia Regresso ao Futuro, ou o filme-série de tv-pré/pós-sequela Exterminador Implacável, ou 12 Macacos; se calhar lia a colecção “Viagens no Tempo” ou via Quantum Leap nas tardes de tv de há uns anos, para depois tentar perceber o alcance científico da questão e começar a ler Stephen Hawking e afins. Se a obsessão com a viagem no tempo nada mais é que uma forma de fuga à realidade, ou se, pelo contrário, é fruto de uma cabeça demasiado apegada ao real e à necessidade de controlo que, na ânsia de querer entender tudo, quer também o conhecimento do passado e futuro… podem ser questões que podemos pôr, e que não interessam rigorosamente nada à protagonista desta história.
The Girl Who Leapt Through Time é outro título a adicionar à prateleira dos apanhados das viagens no tempo. Sem querer entrar em demasiadas descrições sobre o enredo – nunca fui grande fã de reviews que descrevam o filme de fio a pavio; aliás, evito ver trailers de filmes que quero realmente assistir – The Girl Who Leapt Through é uma espécie de “Groundhog Day” (“O Feitiço do Tempo”, em português) aplicado ao anime. De facto, há uma determinada altura em que a história entra numa espiral de repetição. A diferença é que, se no caso de Bill Murray o desgraçado estava preso no mesmo dia sem ter grande voto na matéria, já Konno Makoto, a rapariga que viaja no tempo, provoca e controla sucessivamente a espiral temporal onde está metida. E se, no começo, as suas razões são perfeitamente pueris, depressa se desenvolvem para algo mais sério e imediato.
Nisto, Makoto mostra o que sucederia se uma pessoa vulgar, como nós, tivesse o poder de ultrapassar o espaço e o tempo em que se encontra, onde os limites do que é natural e espectável aparentemente desaparecem. Todos gostamos de pensar que se tal faculdade nos caísse nos braços, entraríamos numa euforia humanista de ajudar este e aquele, prevenir guerras entre países e salvar populações de terramotos.
Quando, sejamos sinceros, o mais provável seria entrarmos numa euforia bem mais terrena, num esquema de “adivinhação” dos números do Euromilhões, ou prevenir aquela zanga entre os amigos do café que só deu foi chatices, ou, bom, fazer o que Makoto fez. Porque talvez precisemos de passar por uma fase de egoísmo para depois entender o valor que podemos ter. Já agora, convém entender isto antes que seja tarde demais, que isto de viagens no tempo tem sempre um pequeno senão lá no meio.
The Girl Who Leapt Through Time não só é um bom filme para entusiastas do tema, como também para gente que apenas gosta de animação. À parte da ficção dos saltos pelo tempo, há igualmente o envolvimento emocional da história que começa na vida despreocupada e divertido-centrica de uma adolescente, para evoluir para caminhos mais dramáticos e que obrigam a personagem a, de uma maneira ou de outra, conhecer-se e crescer. Isto acompanhado pela qualidade da animação, atestada pelos vários prémios que o filme conquistou.
Filme de 2006, vencedor de um prémio especial pela Hochi Film Awards em 2006, e dos prémios de Melhor Animação pela Award of the Japanese Academy e pela Mainichi Film Concours em 2007, Girl from the Future foi realizado por Mamoru Sihosoda.
Autor:pen**