“Nenhum doente de Hansen na nossa região” um movimento instaurado na década de 30, no Japão, que antecipou e fomentou a clausura forçada de milhares de portadores de lepra, em sanatórios precários, violentos e opressivos. Muitos destes morreram, já curados há anos, sem nunca sair dos muros do sanatório que os acolheu. Estes internamentos eram forçados, radicais e implacáveis. Os revolucionários eram transferidos para um sanatório mais violento e faleciam lá, à fome. Ninguém voltava, depois da transferência. Sem abrigos e não portadores de lepra foram aprisionados neste sanatório, sob o pretexto de limpeza, num sentido de purificação da região, nunca existindo justiça para os que deixaram de ser ver livres.
Esta é a premissa de que parte Durian Sukegawa para nos mover numa viagem sobre o sentido da vida.
Num registo simples, simbólico, com nuances panteístas, deambulamos através das estações do ano; dos doces fabricados pela Tokue, uma senhora de 67 anos, com uma deformação nas mãos, uma paralisia facial e um dom de fabrico de doces admirável; da letargia de Sentarô e o seu desânimo perante a vida, transfigurando-se ao longo da passagem das estações do ano; da dura realidade de Wakana, uma adolescente com um “background” familiar muito tenso. Este trio improvável, leve e deliciosamente, nos levará pelo preconceito, pela dura realidade do Japão, pela aceitação, pela amizade, pela sinceridade.
Uma leve composição de páginas que traz cheiro, visão, tato, olfato e, acima de tudo, paladar.
O autor termina o livro com uma pequena reflexão em que conta que, enquanto estava empregado na rádio, perguntava aos jovens ouvintes, no sentido provocatório, qual era o sentido da vida. Estes eram muito semelhantes e previsíveis nas suas respostas, baseando-se somente na utilidade para a sociedade, largando todo e qualquer prazer ou vontade individual. Embora altruísta, estas respostas ensaiadas não passam de um preconceito e, segundo o autor, insuficientes. Assim, nasceu a vontade e a força para redigir um livro sobre o sentido da vida, pois deve haver mais, do que só se ser útil a alguém.
Para quem não sabe, esta obra literária de Durian Sukegawa publicada pela editora Asa retrata o Japão contemporâneo e a transmissão do saber e do gosto foi adaptado para o grande ecrã pela cineasta Naomi Kawase. O filme estreou em Portugal e também já passou na televisão portuguesa, na RTP2 em 2018. Podem saber um pouco mais sobre este filme aqui.
Atualmente, a ONU e o governo do Japão trabalham em parceria para desconstruir a doença de Hansen, na sociedade e combater a discriminação a pessoas que sofram da doença e respetivos familiares. além da criação de um Museu, existem apoios monetários, sociais e ainda um pedido de desculpa publico pelas atrocidades cometidas no passado. A doença de Hansen já não é letal, é facilmente identificada e controlada, mas ainda vivem 1,1 mil pessoas segregadas em sanatórios, tendo como média de idades 86 anos.
Escrito por: Cláudia Andrade