Sei que é um pouco tarde mas finalmente consegui ir ao Cinema para ver 47 Ronin, a primeira longa-metragem que Carl Rinsch realiza. Embora não seja um filme japonês julgo ter sentido deixar aqui uma pequena crítica ao mesmo, uma vez que, se baseia numa das grande histórias da cultura japonesa e pelo facto de ter cinco actores japoneses no cast, nomeadamente Hiroyuki Sanada, Tadanobu Asano, Rinko Kikuchi, Kou Shibasaki e Jin Akanishi.
Posto este pequeno esclarecimento, passo ao que é importante. Confesso que inicialmente não tinha grandes esperanças, uma vez que, é rara a adaptação americana de histórias japonesas que é bem trabalhada. No entanto, estava inteiramente errada e acho sinceramente que tive a possibilidade de ver em tela grande uma das melhores adaptações que Hollywood já fez até agora.
Para além de uma narração simples e directa que serve para colocar o espectador a par de aspectos que por regra não conhecerá, como o que é um ronin, entre outros, a narrativa consegue manter os seus elementos fundamentais: o da vingança de 47 homens que vêem o seu Amo ser executado devido às acções desonrosas de um Senhor ganancioso que deseja o poder para si. Tudo isto misturado com uma pitada de fantasia não exagerada e um personagem ocidental que faz a ligação da nação mãe com o público ocidental, explicando a sua existência igualmente de forma lógica. Aliás, como podemos ver, o personagem de Keanu Reeves é de longe o típico herói que salva tudo e todos e que está presente 90% do tempo.
Os maneirismo próprios de um Japão Feudal são respeitados, especialmente a relação entre os ranks, entre samurais e senhores, entre samurais e samurais e em última instância entre ex-samurai (ronin). O “assistente” durante o ritual de seppuku é também mostrado, sendo que o seu papel é o de decapitar a pessoa antes que ela comece a ter as convulsões típicas deste tipo de morte e que por norma deixam o corpo em posições não dignas. É um facto que durante a última cena em que os ronin cometem seppuku não existem “assistentes” mas concordemos que te-los em cena iria cortar não apenas o dramatismo como encheria o plano desnecessariamente.
Em termos de guarda-roupa, este é uma mistura perfeita entre o tradicional e o moderno, chegando mesmo a adicionar alguns adornos de Geisha e Maiko à princesa.
Deixarei agora algumas diferenças e algumas das assombrosas semelhanças entre não só a história original e a sua adaptação (colocando de fora obviamente a parte fantasiosa de bruxas e demónios) mas também alguns dos pequenos detalhes culturais que notei. Reforço que fiquei espantada com os detalhes que podemos encontrar, mostrando que apesar de todos os problemas de produção, 47 Ronin foi de facto bem preparado.
– Originalmente Asano fere Kira (um homem idoso e não um jovem, tendo até alguns netos) com um punhal devido aos insultos a que fora sujeito. No filme, Asano é vítima dos feitiços da bruxa e tenta atacar Kira pensando que este estaria a atacar a sua filha.
– Se não estou em erro passa-se apenas um ano no filme entre a morte de Asano e a vingança dos seus homens enquanto no original se passam dois.
– A família de Asano é levada e protegida após o incidente e é o seu irmão mais novo que mais tarde herda o território. Kira não faz quaisquer “reféns”.
– Durante os dois anos de preparação, Oishi e os seus homens tornaram-se mercadores e camponeses, disfarçando-se entre a população. É ainda Oishi que visita os bordéis, procurando informações sobre Kira.
– Durante uma visita nocturna à Princesa, a Bruxa oferece-lhe um punhal e ao sair da divisão executa o gesto de “cortar o pescoço”. Embora isto nos possa parecer apenas um gesto ocidental e de pura ironia, o seppuku feminino (jigai) era exactamente o cortar a artéria do pescoço, enquanto o seppuku masculino consistia em cortar o abdómen.
– Quanto à organização do ataque, na história original Oishi atacaria pela frente, deixando o seu filho Chikara encarreguee um ataque pela retaguarda. O som de um tambor serviria para disfarçar o ataque. No filme até o pormenor do tambor é aproveitado.
– Originalmente, quando encontraram Kira, Oishi dirigiu-se a ele de forma respeitosa, oferecendo-lhe a hipótese de morrer honradamente por seppuku, oferecendo-se ainda para o assistir e dando-lhe o mesmo punhal usado pelo seu Mestre Asano. No entanto, Kira foi incapaz de o fazer e Oishi ordenou a um dos seus homens que o decapitasse. No filme Oishi assassina Kira obrigando-o a cometer seppuku com o punhal usado por Asano.
– Chikara, filho de Oishi, comete de facto seppuku com o grupo embora a tenra idade de 16 anos (a mudança de idade no filme surge provavelmente para não ser tão “cru”). No entanto, há de facto um dos homens que é “perdoado” pelo Shogun, no caso um jovem mensageiro.
– Um samurai deve ser capaz de lutar sem uma arma e isso é explorado no filme, mostrando que os samurais tinham conhecimentos em outras artes marciais.
– Houve críticas pelo facto dos “animadores” não lutarem contra as intenções de Oishi de matar um Senhor mas sabe-se que Kira é originalmente odiado pela população.
Como elementos negativos tenho essencialmente apenas dois a apontar. A cena da princesa com Kai na cabana, inútil. E o final, onde em vez de vermos a princesa como Senhora de Ako, uma mulher forte como a esposa de Oishi, vemos um último plano de uma mulher que perdera o seu amado. Percebo a sua dor mas podiam ter adicionado um último plano mais digno da personagem. Eu sei que ela foi criada apenas para dar mais impacto e uma certa dose de romance mas esperava melhor.
Em geral, o filme está bastante interessante e recomendo. Um filme que não cai numa ocidentalização em demasia, respeitando o modo de vida e ideologias japonesas. Uma história que mostra o coração de um verdadeiro Samurai, leal ao seu Senhor até ao fim, até às últimas consequências.
Escrito por: Ângela Costa