Todos os filmes de Naomi Kawase, têm como denominador comum a simplicidade. Kawase é uma narradora de sentimentos. A sua obra parece ter o único propósito de revelar a importância do simples e maravilhoso tornando assim os filmes profundos, melancólicos e, às vezes, lineares no assunto.
Encontramos essa simplicidade no seu mais recente filme Uma pastelería em Tóquio (あん – An, no título original), que é baseado no romance de Durian Sukegawa (sem tradução para o português), e onde a realizadora nos mostra o outro lado da capital japonesa, uma misteriosa Tóquio sem anúncios publicitários fluorescentes, sem a densidade rodoviária, urbana e excesso de contaminação parecendo que se vive numa outra dimensão espácio-temporal.
A longa metragem centra-se em três personagens: Sentaro (Masatoshi Nagase) que tem como negócio uma pastelaria de dorayaki para saldar uma antiga dívida, Tokue (Kirin Kiki) uma simpática e adorável senhora de idade que o que mais quer é disfrutar a vida e por fim Wakana (Kyara Uchida) uma jovem estudante que vive num apartamento com a sua mãe e que visita diariamente a pastelaria para ir buscar as sobras dos doriyaki que estão mal feitos. Com o desenrolar do filme vamos assistindo a amizade que estes três personagens vão criando entre eles. Como curiosidade, as actrizes que interpretam Tokue e Wakana são avó e neta respectivamente.
O filme torna-se uma reflexão cada vez mais profunda de como um relacionamento humano pode se estreitar, no caso, entre Sentaro e Tokue. O passado de ambos vai se descortinando e, de uma certa forma, se entrelaçando, onde a dor de uma separação seria insuportável. Tudo isso regado a lindas imagens de cerejeiras e às maravilhosas metáforas que somente a filosofia oriental pode fazer. É um filme muito triste, mas muito reflexivo, numa mostra de que as carências afectivas de uma pessoa podem ser preenchidas pela ternura de outra.
Uma pastelería em Tóquio traz-nos os três períodos da nossa vida mais importantes pelos quais passamos: a impaciente adolescência; a inércia da fase adulta; e a sabedoria tardia que vem com a idade, todos representados de uma só vez, como um grande panorama de uma vida inteira. É esta terceira fase que o filme também quer mostrar, isto porque, sendo o Japão o país com o maior número de idosos do mundo, é urgente saber o que fazer com esse número cada vez maior de pessoas em idade avançada, pois não vale a pena viver mais se essa vida não for sinónimo de viver bem. Ociosidade não é uma boa opção, ninguém gosta de se sentir inútil, mesmo quando se atingiu uma idade bastante avançada.
E esse tal preenchimento de nos sentirmos úteis às vezes vem de onde menos se espera, numa prova de que a vida é um oceano de possibilidades e jamais deve ser descartada, mesmo nos momentos de maior desespero e desalento.
Este é um filme que toca, emociona e nos enche de esperança, pois presenciamos à transformação de vida dos personagens, mesmo com todas as adversidades que poderiam impedir tal situação. Através dos olhos da realizadora o espectador contempla uma visão mais particular do mundo, serena, calma e minuciosa.
Um poema de amor à vida, que consiste em ‘ver e ouvir’, como disse Tokue.
Como nota de curiosidade, o filme já arrecadou imensos prémios importantes em vários festivais por esse mundo fora: Vencedor do Premio Espiga de Plata para melhor realização no SEMINCI; Melhor filme estrangeiro no Festival Internacional de São Paulo; Melhor actriz para Kirin Kiki no Asia Pacific Screen Awards e Hochi Film Awards; Prémio do Público no Cork International Film Festival e ainda foi seleccionada para inaugurar a secção “Un Certain regard” do Festival de Cannes.
Escrito por: Fernando Ferreira