Trazendo-nos a morte sentimentos inesperados, a forma como lidamos com o luto varia de pessoa para pessoa. Para além deste processo estar intrinsecamente ligado à nossa personalidade, somos também afetados pelos fatores socioculturais do país ou da cultura a que pertencemos. Aruitemo aruitemo (歩いても 歩いても), de Hirokazu Koreeda, retrata um dia na vida de uma família que se reúne para celebrar a memória de um ente querido.
A história de Aruitemo aruitemo passa-se ao longo de 24 horas, quando a família Yokoyama se reúne na casa dos pais para celebrar a memória de Junpei, o filho mais velho, que faleceu ao tentar salvar um rapaz de se afogar.
Ryota (Hiroshi Abe), o segundo filho, vive atormentado pela memória do seu irmão. Tendo casado com uma mulher viúva, mas já mãe, esta é uma reunião onde não só é confrontado com processo de o luto dos seus pais, Ryohei (Yoshio Harada) e Toshiki (Kirin Kiki), mas também a forma como estes, e a sua irmã Chinami (YOU), acolhem os novos elementos da família, a sua esposa Yukari (Yui Natsukawa) e o enteado de Ryota, Atsushi (Shohei Tanaka).
O luto é um lugar estranho, muitas vezes retratado de forma melodramática no mundo do cinema. No entanto, tal como em muitas das suas outras obras, Koreeda opta por uma abordagem mais realista, que acaba por se transformar num retrato duro do que a morte significa para muitos de nós e como o fugir aos nossos sentimentos é por vezes uma opção válida.
Retratando a camada de angústia que envolve esta família, a passivo-agressividade reina em Aruitemo aruitemo. Raramente há um momento de confronto direto, mas os personagens conseguem ser cruéis à sua maneira como forma de processarem o luto.
Talvez o caso mais evidente seja em Toshiki, a mãe, que parece ter prazer especial em atormentar de forma passiva as pessoas à sua volta. Pelo contrário, Kyohei, o pai, médico reformado que vive frustrado por não ter a quem deixar a sua clínica, refugia-se no seu próprio mundo, negligenciado quem lhe é mais próximo, demonstrando uma incrível falta de tato para com os seus.
Ryota, por sua vez, tenta encontrar o equilíbrio necessário para seguir em frente, enquanto faz o seu melhor para educar um filho que não é seu e tentar voltar a ter algum tipo de relação de afinidade com uns pais que o relegaram para segundo lugar.
Todas as obras de Koreeda aparentam ser simples, sem grandes artifícios, mas contêm em si camadas de complexidade e reflexões filosóficas sobre a forma como encaramos o mundo que dificilmente encontramos em filmes de outros realizadores.
Aruitemo aruitemo é mais um desses filmes, onde um simples retrato de um encontro familiar se torna numa reflexão sobre o valor da vida e da morte, a perda inesperada daqueles que amamos e os sentimentos de mágoa, revolta e desilusão pelos quais somos assombrados ao longo da vida.
Escrito por: Nuno Rocha