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Caterpillar

Forte, violento e polêmico, “Caterpillar” deixou uma sensação de desconforto a quem assistiu ao filme no Festival de Berlim no ano de 2010. O realizador japonês Koji Wakamatsu conta a história da relação entre Shigeko (Shinobu Terajima, prémio de melhor actriz no Festival) e o seu marido, o tenente Kurokawa (Keigo Kasuya), um herói da segunda guerra entre Japão e China que volta para casa sem os quatro membros, com deficiências na visão, na audição e a fala é prejudicada pelos ferimentos e queimaduras da guerra.

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A história tem a sua acção na pequena vila onde o casal e a família dele moram. Do momento em que Kurokawa é convocado pelo conselho da cidade para representar a comunidade no campo de batalha até o desenlace do filme, a guerra aparece apenas em “flashbacks” do herói atormentado pela sua imobilidade e
dependência. Ela faz tudo por ele, desde lhe dar a comida até o sexo, passando pela troca de roupas.

Mesmo tendo total controlo sobre tudo, Shigeko deixa-se dominar pelo marido – controlador, ciumento e violento, mesmo sem condições físicas para isso. À medida que a cidade inteira volta as atenções para ela, por ser a responsável pelos cuidados do herói da comunidade, ele cada vez mais se sente inútil.
É interessante ver em “Caterpillar” a diferença entre a vida pública e vida privada do casal. Fora de casa, o guerreiro é admirado e a mulher, apesar de pressionada, é vista como um exemplo para toda as outras esposas da guerra. Dentro de casa ele só pratica sexo, come, dorme e faz as necessidades fisiológicas.

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Talvez porque o sexo seja a única forma de se comunicar ou, também, porque sem os membros sai do “estado humano” e entre num “estado animal”. Afinal, a tradução de “Caterpillar” é “larva”, a larva que se transforma numa borboleta. No caso do jovem, o caminho foi o inverso. As cenas de sexo – que são muitas – incomodam. Não só pela condição física do marido, mas por a esposa satisfazê-lo sem a menor vontade. Logo descobrimos que este Deus da Guerra não é um indivíduo exemplar. Afinal tem consciência, tem sentimentos. Não é a primeira vez que o director faz metáforas políticas usando cenas de perversão sexual. “O Império dos Sentidos” (1976), de Nagisa Oshima, tem Wakamatsu como produtor-executivo.

Para quem não conhece a história de vida do realizador Wakamatsu é urgente que a conheçam porque é deveras interessante e polémica. Esteve preso durante vários anos, foi realizador de filmes pornográficos (eiga pinku) e mais tarde enveredou pelo cinema social e político como é o caso deste Caterpillar. Até hoje, o Japão encara com dificuldades os crimes cometidos no seu passado militar.

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Desde os anos 1960, Koji Wakamatsu, tem construído uma obra crítica ao nacionalismo que prevaleceu com força até o fim da Segunda Guerra. Para ele, a os erros e o lixo não deve ser escondido debaixo do tapete.

Wakamatsu cria um filme em tom decadente, claustrofóbico, que se passa praticamente dentro de quatro paredes. Mais do que chocar gratuitamente, o realizador procura entender aquele período histórico e, por meio do impacto das imagens, contribuir para que o passado não seja esquecido facilmente. Resumindo, Caterpillar é um filme de qualidade mas que pode ferir algumas susceptibilidades.
Recomendado!

Escrito por: Fernando Ferreira

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