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Dolls

Duas bonecas. Um homem e uma mulher. O sinal é dado. A música começa e a peça tem início. Uma história de amor é narrada. Uma história que serve de fio condutor às três histórias de amor trazidas por Takeshi Kitano, em Dolls.

Sugestivamente intitulado de Dolls – “Bonecas”, em português – este filme de 2001 abre precisamente com uma peça de “Bunraku”, um teatro tradicional de marionetas de grandes proporções que se desenvolveu ao mesmo tempo que o “Kabuki”, o teatro tradicional japonês.


Os temas abordados no “Bunraku” são bastante semelhantes aos do “Kabuki”. Grandes feitos históricos ou histórias de amor suicidas são recorrentes nas peças deste teatro de marionetas, roçando com frequência o melodrama.

Pelas suas dimensões, as bonecas do “Bunraku” são manipuladas por três marionetistas vestidos de negro que, no entanto, não falam. É um narrador sentado que conta a história e dá voz às personagens, expressando os seus sentimentos. Ele sorri, chora, ou faz expressões de surpresa e medo, ao som do Shamisen – um instrumento de três cordas, algo semelhante a um banjo, oriundo de Okinawa.

E é assim que Dolls tem início. Com um palco onde se desenrola uma peça de Bunraku, onde nos apresentam uma história de amor que acabará por servir de introdução às três histórias de amor que compõem Dolls.

Matsumoto e Sawako, Hiro e a sua antiga namorada, Nukui e Hakuma são os protagonistas dessas trágicas histórias. Trágicas, mas belas. Nelas, o amor não se perde, perdura, ainda que os amantes se percam, forçados à separação.


Poema em movimento é uma expressão que encaixa na perfeição em Dolls. Não só ficamos deslumbrados pela força do amor dos casais enamorados, como pelos cenários naturais em que a acção se desenrola. A Primavera, o Verão, o Outono, e, finalmente o Inverno, vestem os seus distintos trajes e acolhem na perfeição o casal errante Matsumoto e Sawako, que caminham sem destino durante as quatro estações.

Durante essa caminhada, impressionam as expressões dos amantes. A ausência de reacções e os silêncios são poderosos. Fisicamente ligados por uma corda, mas separados pela evasão de Sawako, as suas faces dizem tudo o que já não há a dizer. Não se desperdiçam palavras. Conseguimos ler os seus rostos.

Já nada mais importa para Matsumoto. O mundo real já não existe para Sawako, que se alheia da realidade após o desgosto infligido por Matsumoto. A realidade perde a sua importância e o mundo deixa de ser importante, porque ambos se perderam.

As outras histórias vão-nos sendo reveladas ao longo da caminhada do casal. Primeiro, a de Hiro e a sua antiga namorada, separados pela ambição do jovem Yakuza. Anos mais tarde, reencontramos os dois. Ela, fiel à sua promessa, permanece igual. As vestes são as mesmas da juventude, quando Hiro a abandonara. Décadas depois, Hiro cumpre a promessa de voltar ao jardim. Mas quando finalmente o faz, é brutalmente morto num ajuste de contas.


E quando o amor é maior que tudo o resto, não se medem os sacrifícios. Nukui e Hakuma são a prova disso. Nukui, estrela pop, perde um olho num acidente. Hakuma, o seu maior fã, leva a cabo a prova maior do seu amor e auto-mutila-se, perdendo a visão. Nukui apaixona-se por Hakuma. Hakuma morre acidentalmente.

A tragédia cobre todas as histórias. Mas o amor insinua a sua força.

Com Dolls morreu uma parte de mim. Mas com ele nasce também uma doçura. E a crença de que o amor, seja como for, será sempre belo. Muito incompreendido pelo público japonês, Dolls foi nomeado para o Leão de Ouro na edição de 2002 do Festival de Cinema de Veneza.

Autor: Sara Peres

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