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Hanabi

Nishi (Kitano) é um polícia encurralado pelo sofrimento daqueles que o rodeiam; um colega tornado paraplégico, uma jovem viúva a atravessar grandes dificuldades, mas principalmente a doença da sua esposa, Miyuki (Kishimoto). Movido para ajudar todos, Nishi vai ser um meio superficialmente desapaixonado dos outros atingirem a felicidade ou ultrapassarem uma barreira vital. O envolvimento com a Yakuza vai salpicar de sangue as paisagens floridas dos campos Japoneses.

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“Hanabi” significa “fogo de artifício” em japonês, mas dividindo-se a palavra com o hífen obtém-se dois significados distintos, que marcam profundamente e bipolarizam o filme. “Hana” – “flores”; “bi” – “fogo”. As flores são um recurso visual, marcante não somente na incursão de Nishi e da mulher pelo campo, numa espécie de segunda lua de mel, mas também nas pinturas de Horibe (executadas pelo próprio Kitano). A beleza das plantas esconde o que vai no íntimo dos personagens, tornando-se numa espécie de porta camuflada para a psique de Nishi.

Nas diferentes pinturas e desenhos, a flor ocupa o lugar da cabeça (mente) das criaturas desenhadas. A beleza da flor é também a calma contemplativa do olhar. O fogo, claro, é a outra face da moeda. É o libertar da fúria, a explosão de raiva que mais não se pode conter, e que se consubstancia na morte e mutilação de alguns gangsters.

O realizador também escreve o argumento e monta o filme. A montagem dá particular destaque às alterações de tom (flores/fogo), passando do click de uma arma para a conclusão de um quadro, ou de um olhar para um salpicar violento de sangue. Nishi, sozinho, carrega todo o fardo e é interessante constatar que o seu percurso não é imaculado, livre de erros (não faz o que está “certo”).

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E não constitui sacrifício ou redenção Hollywoodescos, por falhas do passado, como seria mais fácil e como nos deixaria mais bem dispostos no fim, em que se apresentaria um pôr do sol sobre música melosa, temperado por mais um triunfo moral. Kitano preocupa-se mais com o alívio do sofrimento (concreto, terrestre) do que na redenção (religioso, celeste), que normalmente constitui uma oposição, isto é, ganhar o “perdão” pelo sacrifício físico.

«Hana-Bi» é também um desejo de contrariar o conceito de família tradicional, feliz e unida, aconteça o que acontecer, que nem sempre representa a família “real”. As famílias que se nos apresentam são famílias destroçadas pela morte, pela doença ou por outros factores. A família que fica ao lado de alguém que sofre um grave acidente não tem lugar aqui.

O fogo de artifício é também uma manifestação da felicidade familiar que poderia ter existido ou que se recorda como algo que já não pode voltar. Essa imagem poderá ter significado, presente e futuro, para vários personagens, mas talvez não para Nishi.

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Kitano filma muito pouco quando está “em forma”. Visualiza o que precisa de filmar na noite anterior e depois limita-se a juntar as cenas, sem material supérfluo a cair no chão da sala de montagem. Nem sempre se dá por satisfeito, e aceita que as suas ideias não se concretizem plenamente, como no plano em que o gangster esmurra (será preciso acrescentar “violentamente”?) Nishi no centro comercial, já que contratou um boxer profissional para aquele papel, apenas para executar o modo como tinha concebido a cena.

É curioso como Kitano Takeshi consegue executar uma obra tão bela e contemplativa, com espasmos de hiper-violência que despontam sem nos avisar. «Hana-Bi» é, antes de mais, uma excelente forma de começar o ano cinematográfico.

Escrito por: Luís Canau (www.asia.cinedie.com)

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