A influência do cinema japonês faz-se sentir-se muito para lá das fronteiras do país do sol nascente. País natal de um grande leque de realizadores cujas técnicas e visão influenciaram centenas de realizadores à volta do mundo, o imaginário do cinema japonês, repleto de samurais, yakuza e um nível de bizarro difícil de equiparar, continua hoje em dia a ser fonte de inspiração para realizadores de todo o mundo. Uma dessas mentes inspiradas é Sono Shion (園子温), que tem neste Jigoku de naze warui (地獄でなぜ悪い) a sua homenagem ao mundo do cinema.
O filme conta uma história em duas frentes que eventualmente acabam por se juntar para alcançarem um objetivo comum. De um lado temos os “Fuck Bombers”, um grupo de cineastas liderados por Hirata(Hiroki Hasegawa), um realizador com o sonho de criar uma obra prima do cinema japonês. Juntos desde os tempos do secundário, os “Fuck Bombers” sonham em fazer um filme memorável no qual Sasaki (Tak Sakaguchi), o protagonista de eleição deste grupo, saia catapultado como uma grande estrela do cinema de ação japonês. No entanto, passado dez anos após a criação do grupo, estes continuam a não ter grandes perspetivas de carreira. Os projetos falhados acumulam-se e a falta de liquidez financeira faz com que as condições em que produzem os seus filmes sejam bastante rudimentares. Só uma coisa não mudou no grupo ao longo dos anos, a confiança de Hirata nos seus projetos e a crença que um dia se irá tornar num realizador venerado. A vida dos “Fuck Bombers” muda quando uma proposta dos yakuza para realizarem um filme surge do nada.
Do outro lado temos duas fações da yakuza em guerra. Muto (Jun Kunimura), um dos líderes yakuza, está perto de ver a sua esposa sair de prisão após uma pena de dez anos, pena esta que originou quando Ikegami (Shin’ichi Tsutsumi), chefe de outra fação yakuza, atentou contra a sua vida. O sonho da esposa de Muto é ver a sua filha Mitsuko (Fumi Nikaidô), cuja carreira no mundo do cinema foi afetada pela detenção da mãe, ser a protagonista num filme que a torne numa estrela de cinema no Japão. Muto encontra-se assim com uma tarefa difícil em mãos: tem não só de cumprir a promessa que fez à esposa e assegurar que a sua rebelde filha seja a protagonista de um filme, como também necessita de vencer a guerra contra a fação rival dos yakuza que o quer ver morto. No meio de toda esta confusão vai aparecer Koji (Gen Hoshino), um jovem japonês que acidentalmente trava conhecimento com Mitsuko.
Todos os personagens do filme estão de certa forma ligados uns aos outros, coisa que a introdução do filme faz questão de nos informar.
Jigoku de naze warui é um filme propositadamente caótico, onde toda a confusão que aparece no ecrã serve um propósito. Sion Sono, tal como os “Fuck Bombers”, tem tido uma carreira cujas obras estão longe de ser consensuais, contendo normalmente níveis de violência bastante elevados. Neste filme, Hirata é como uma personificação do realizador do filme, um jovem cineasta sem meios a quem é dado um grande orçamento por parte da yakuza para concretizar o seu sonho. A particularidade do filme que Hirata se propõe a realizar é que este não será filmado em estúdio, levando-se o estilo de gonzo filmmaking ao máximo e pondo o realizador e restante equipa de filmagem a filmar o confronto yakuza em tempo real.
Em mais um filme com um argumento bizarro, Sion Sono cria uma comédia violentíssima que é também uma excelente homenagem ao mundo do cinema, especialmente para aqueles que cresceram a adorar os filmes de ação de série B. Não há personagens “normais” neste filme, sendo quase todos caricaturas de personagens normalmente vistos em filmes tradicionais de yakuza. A história do filme pode parecer um pouco confusa e sem muito sentido no início, mas as várias narrativas existentes acabam por se conjugar bastante bem quando a obra se aproxima do final.
Jigoku de naze warui acaba por se tornar o épico filme de ação que Hirata sonha fazer durante o filme, contando com todas as características que definem este tipo de filmes: heróis inabaláveis, uma história de amor grandiosa e um nível de violência absurdo. É acima de tudo um filme muito divertido, contando com algumas partes verdadeiramente cómicas e evidenciando todo o amor que o realizador do filme tem ao mundo do cinema.
Escrito por: Nuno Rocha