Na época Meiji, “Sayo Kashima” (Miyoko Akaza) depara-se com um evento traumatizante, que passa por assistir ao impiedoso homicídio do marido e do jovem filho. Presa por matar um dos quatro assassinos, “Sayo” começa a tentar gerar um filho, de forma a que este se torne no instrumento da sua vingança. Para o efeito, tem relações sexuais com vários homens e finalmente consegue engravidar. No dia do parto, “Sayo” falece, dando à luz uma menina a quem põe o nome de “Shurayuki”.
Passados vinte anos, e tendo sido treinada duramente nas artes marciais por um sacerdote, “Shurayuki Kashima” (Meiko Kaji) torna-se numa bela mulher e numa impiedosa assassina, cujo único propósito é levar a cabo a vingança ditada pela mãe. Auxiliada, entre outros, pelo jornalista “Ryûrei Ashio” (Toshio Kurosawa), “Shurayuki” inicia uma cruzada de revanchismo, imbuída de jorros de sangue.
Baseada na “manga” homónima de Kazuo Koike, “Lady Snowblood” é uma película com uma importância histórica determinante no panorama cinematográfico oriental, e que constitui um ícone dos filmes que detêm o conceito de vingança como pano de fundo. A sua influência é bastante patente em algumas obras cinematográficas, das quais se destaca “Princess Blade”, de Shinsuke Sato, e num âmbito mais universalmente conhecido, de “Kill Bill”, do sobejamente conhecido Quentin Tarantino. A conhecida obra do realizador norte-americano, dividida em duas partes, denota uma inspiração profunda de “Lady Snowblood” em vários momentos, de que constituem exemplo o cenário de neve usado na luta entre a “Noiva” e “O-Ren Ishii”, ou então o uso de músicas que fazem parte da banda-sonora da longa-metragem objecto deste texto. Falamos das melodias “Flower of Carnage” e “Urami-Bushi”, interpretadas pela própria Meiko Kaji, a protagonista principal de “Lady Snowblood”.
Como acima aflorei, “Lady Snowblood” gravita essencialmente sob o signo do tema “vingança”, e acrescentaria, no seu estado mais puro. Trata-se de uma obra que se poderá reputar de violenta, onde predomina muito sangue, que jorra profusamente, com um certo exagero requisitado mas extremamente simbólico. As cenas de acção estão bem conseguidas, onde se confia nos combates rápidos e certeiros, em detrimento de lutas prolongadas e épicas de artes marciais. Em detrimento de uma técnica de combate apurada, não faltarão os desmembramentos e as lâminas afiadas a desferirem cortes fatais e verdadeiramente ilustrativos do seu poder mortífero.
A estética do filme é algo digno de ser ver e admirar. O vermelho do sangue, conjuntamente com alvura da neve, dão lugar a imagens emblemáticas, que fazem jus ao epíteto desta longa-metragem (“snowblood”). Este efeito é perfeitamente reflectido na própria personagem de “Shurayukihime”, que desfila com os seus quimonos brancos, muitas vezes tingidos com litros de sangue quando a jovem decide mostrar aos seus oponentes o cruel sabor da violência e da morte. E embora por vezes se note que a película provavelmente não tenha sido dotada de um orçamento generoso, as suas imagens são competentemente descritivas do Japão da era Meiji, com paisagens assombrosas e que ajudarão a embrenhar o espectador na trama. Aliás, um dos pontos extremamente interessantes em “Lady Snowblood”, passará pelo seu “background” histórico e os aspectos políticos que dominavam o país do sol nascente à altura, com a modernização, a abertura ao ocidente e as purgas dos vários sectores conflituantes. Através do jornalista “Ryûrei Ashio”, aqui no papel também de narrador, tomamos contacto com as importantes e radicais transformações que ocorreram na sociedade japonesa à altura.
A figura de “Shurayuki” é fascinante e constitui, como não podia deixar de ser, o grande trunfo do filme. A actriz Meiko Kaji, corporiza uma personagem que embora seja um instrumento de morte e violência, é dotada de uma personalidade por vezes frágil e muito emotiva. Estas características servem para tornar a cruzada de vingança muito mais interessante, e não apenas um desfilar grotesco de brutalidade e pouco mais. Apercebemo-nos que efectivamente o que move a demanda de “Shurayuki” é o destino que a mãe lhe fadou, e não propriamente uma vingança motivada por desejos da própria. Tal leva a alguns momentos de incerteza, como aquele que nos deparamos quando a rapariga estabelece um contacto próximo com a filha de um dos assassinos a quem incumbe pôr termo à vida.
Sendo um clássico de eleição, “Lady Snowblood” é uma das obras relevantes no espectro dos filmes que elegem a vingança como um tema a abordar profusamente. Possui um manancial de características extremamente apelativas e atraentes, desde vários momentos de acção visceral, passando por uma heroína trágica e lindíssima, tendo por pano de fundo um ambiência histórica deveras interessante. Sendo um dos expoentes máximos do género, será obrigatório para todos os amantes daqueles que gostam do cinema “olho por olho, dente por dente”.
Muito apreciado por estes lados!
Escrito por: Jorge Soares (http://shinobi-myasianmovies.blogspot.pt)