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Monkey (Saiyuki)

Monkey, é uma das séries nipónicas (de “live action” entenda-se) que mais culto criou fora das fronteiras desse país, sendo ainda hoje uma das maiores referências para uma geração inteira de tele-espectadores, não só no Japão, como na Austrália e sobretudo no Reino Unido.

Saiyuki, o título original da série, foi produzida para celebrar os 25 anos da Nihon Television (NTV), que apostou fortemente num formato de comédia para o prime-time de Domingo, tentando responder à popularidade das séries dramáticas da estação NHK. A equipa de produção usou o clássico da literatura chinesa “Hsi yu ch’I” (Saiyuki em japonês, e que pode ser traduzido como “Relato de uma Viagem ao Ocidente”) como ponto de partida para criar um dos mais bizarros e hilariantes argumentos que alguma vez foi feito em televisão até à altura, que cativou automaticamente o público japonês e que conheceu uma grande fama junto do público britânico, já habituado à comédia de contornos delirantes e sarcásticos de produção nacional.

Este clássico da literatura oriental relata as aventuras do monge chinês Hsuan-Tsang, também conhecido como Tripitaka, que no século VII fez uma longa viagem até à India para adquirir manuscritos budistas. Pelo caminho Tripitaka contou com a ajuda dos espíritos de um peixe, de um porco e do imortal e mágico Macaco Rei, todos eles expulsos do paraíso e prisioneiros dos deuses devido aos seus actos, mas libertados de forma a ajudarem Tripitaka a conseguir ultrapassar as dificuldades que encontrou pelo caminho. Os deuses ofereceram também ao monge os serviços de um dragão, mais um prisioneiro dos deuses, transformado no cavalo que transportará Tripitaka na sua viagem.

Mais do que um relato linear das aventuras deste grupo, o livro reflecte através da suas parábolas excêntricas, ainda mais exageradas pela série, a condição humana e os defeitos que têm que ser neutralizados de forma a alcançar a serenidade budista. Cada um dos espíritos dos animais revelam as fraquezas que ligam os humanos ao mundo material. A personagem do Macaco-Rei (na série chamado Son Goku e na versão dobrada Monkey) revela a impulsividade e agressividade, o espírito do Porco (na série Cho Hakkai e na versão inglesa Pigsy), originalmente o Senhor dos Exércitos Divinos foi expulso devido a defeitos semelhantes aos pecados cristãos da Gula, da Luxúria e da Preguiça e o espírito do Peixe (em japonês Sai Gojo, Sandy na versão inglesa, que na série foi ‘adaptado’ a um Kappa, um ser mitológico japonês que vive nos rios e que alguns afirma que se alimenta de carne humana, o que talvez explicará o colar de caveiras humanas do personagem) revela o pessimismo e a atitude intelectual racional que gera os erros humanos e a inactividade de acção.

A NTV juntou um “cast” ligado à comédia, já conhecido do público japonês, com o papel principal de Son Goku/Monkey a ser atribuido a Masaaki Sakai (já conhecido por ser o vocalista dos The Spiders,uma banda que alcançou popularidade nos anos 60, e pelos seus papéis cómicos em alguns filmes do estúdio Toho). Para Pigsy foi escolhido Toshiyuki Nishida (actor reconhecido sobretudo pelos seus papéis de teatro e a suas aparições cómicas na televisão, sobretudo a interpretar personagens rústicas) e para Sandy foi escolhido Shiro Kishibe, um actor relativamente conhecido pelas suas interpretações em séries televisivas. A escolha mais invulgar foi a de Masako Natsume, uma actriz multifaceta e modelo da campanha publicitária “Kooky Face” da Kanebo Cosmetics, para o papel de Tripitaka. Incluindo Natsume na série, os produtores tentaram criar um Tripitaka algo assexuado e de ar juvenil e puro, prontamente conseguido pela actriz que entretanto somou ainda mais pontos à já sua relevante fama e que deixou o Japão em choque em 1985, quando morreu com apenas 27 anos de leucemia.

Inicialmente foram produzidos 26 episódios com 54 minutos cada, onde parte da história da viagem era adaptada de uma forma delirante, de forma a exagerar ainda mais as estranhas aventuras relatadas em Saiyuki. Os elementos Kitsch incluidos na série pelos produtores foram levados aos extremos do cómico (algumas pessoas subtituiriam esta última palavra por ‘mau gosto’), desde o guarda roupa e caracterização dos heróis e dos inúmeros vilões, até à banda sonora e o tema do genérico inicial, o conhecido tema Disco “Monkey Magic”, acompanhando as peripécias do bando de viajantes, peripécias essas também levadas ao extremo.

Para aumentar ainda mais os atractivos da série foram criados efeitos especiais bizarros, que têm tanto de rudimentar como de brilhante, particularmente nas cenas de luta, onde Monkey mostra o seu poder mágico em situações inesperadas (lutas em nuvens, transformações físicas extremas e monstros indescritivelmente cómicos são uma constante em toda a série).

A bizarria fantástica de Monkey era complementada pelo exteriorizar de lições morais do Budismo (com alguns laivos de Taoismo e da filosofia hippie dos 60s), sempre feitas num tom cómico e sarcástico que adquiria por vezes contornos até impróprios para o público infantil, sobretudo quando são exploradas ambiguidades geradas pelas inúmeras transformações dos personagens ou pelos actos do hilariante Pigsy.

A série, que começou a ser exibida no primeiro dia de Outubro de 1978, contava com o talento de inúmeros realizadores, convidados para dirigir cada um dos episódios, donde se destacam Jun Fukuda, nome conhecido para os fans de Godzilla, ou Kazuo Ikehiro, que realizou alguns dos filmes de Zatoichi. Desde logo a série teve um impacto nas audiências, o que levou a mesma equipa a fazer mais 26 episódios, devido aos inúmeros pedidos de tele-espectadores, substituindo Toshiyuki Nishida (empedido de participar devido a outros compromissos profissionais) pelo também conhecido cómico Tonpei Hidari, que encarnou um Pigsy menos relevante para o desenrolar de cada um dos episódios, e adicionando Shunji Fujimura, que representava Yu-lung, o cavalo de Tripitaka que agora na segunda série, aparecia frequentemente como uma figura humana.

Por esta altura, a TV britânica BBC resolveu comprar 39 dos 52 episódios da série (não se sabe ao certo o que levou a BBC a adquirir apenas estes e não o total da série), tentando responder ao entusiamo que outra série da NTV, The Water Margin (que também foi exibida em Portugal), tinha criado no público britânico aquando a sua exibição no final dos anos 70. Para adaptar os diálogos à dobragem foi escolhido o ‘criativo’ David Weir, que já tinha feito a adaptação de “The Water Margin” para inglês.

Muitos fans de Monkey atribuem a Weir alguma da genialidade dos diálogos de Monkey, moldando-os ao gosto do público britânico, que possui um particular sentido de humor a avaliar pela produção de comédia do Reino Unido. De facto a adaptação e consequente dobragem da série tornaram Monkey mais acessível ao público de lingua inglesa, tendo tido um sucesso quase imediato no Reino Unido e posteriormente na Austrália. Outra das ‘adaptações’ terá sido o corte de algumas cenas que se julgavam ‘menos necessárias’, de forma obter uma duração de 40/43 minutos, para incluir os episódios nos formatos horários da estação.

Mesmo ‘adulterando’ a série, Weir conseguiu criar um verdadeiro hit de comédia com o input de ainda mais non-sense no já pouco articulados e coerentes diálogos da série, onde até as vozes dessincronizadas dos lábios dos actores (uma ‘qualidade’ do cinema e séries de televisão orientais exibidos no ‘ocidente’, muito por culpa do baixo orçamento da adaptação das obras e sua apressada exportação para outros mercados), que depois se tornou uma das suas ‘imagem de marca’, contribuiu para o culto da série na Europa, tal como outros produtos vistos como ‘trash’ ou populares, oriundos da China e do Japão nessa altura.

Monkey adquiriu o culto semelhante (em essência, não em grandeza), por exemplo, a muito do cinema de acção de Hong Kong dos anos 70 e 80, também na grande maioria dobrado, (basta lembrar os clássicos de Bruce Lee, que quase nunca foram vistos com a voz original do actor/mestre de artes marciais), sendo uma série que gera um fascínio enorme ou um desprezo inclassificável, tal como todos os ‘objectos de culto’ da cultura popular.

Nota: Desde já agradeço o excelente artigo de Nikki White, publicado pela primeira vez na Multiverse‘zine em 1981 (e que possui uma transcrição on-line em www.monkeyheaven.com/multiversearticle.html), sem o qual este artigo não possuiria alguns dos factos precisos que apresenta, e as dicas recebidas através do forum do ClubOtaku.

Escrito por: Nuno Barradas

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