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Nikutai no Mon

Quantos mais filmes vejo de Seijun Suzuki, mais difícil fica de imaginar como seria a carreira de realizadores como Quentin Tarantino ou Jim Jarmusch caso a obra do visionário realizador japonês não tivesse existido. Com um talento único para arreliar os executivos do estúdio Nikkatsu ao transformar filmes que originalmente estes pretendiam que fossem simples e comerciais em autênticas obras de arte, Nikutai no Mon (肉体の門) é mais uma desses exemplos da obra de Seijun Suzuki a destacar.

Com a acção a passar-se no Japão pós-segunda guerra mundial, a narrativa de Nikutai no Mon distancia-se um bocado de filmes como Tōkyō nagaremono ou Koroshi no rakuin. Em Nikutai no Mon a acção deixa de se focar na história de um assassino ou detective solitário e passa a focar-se num grupo de quatro prostituas que tenta sobreviver num gueto de Tokyo no pós-segunda guerra mundial. De forma a sobreviver, este grupo de mulheres rege-se apenas por uma única regra: nunca fazer amor com um homem sem receber dinheiro. Regidas pela lealdade e usando a violência sempre que é necessário, a relação entre elas começa a mudar quando Shintaro Ibuki (Jō Shishido) aparece na zona onde moram.

Baseado num livro de Taijiro Tamura (e contando com várias adaptações a cinema), Nikutai no Mon aborda várias temáticas que assolaram a sociedade japonesa após a guerra. O recurso à prostituição por parte de mulheres que perderam os maridos ou toda a família na guerra, o lidar com a presença de soldados estrangeiros na sua terra (e o seu respectivo poder económico face ao comum dos cidadãos) e também a queda na marginalização de muitos dos soldados que sobreviveram. Nikutai no Mon é um filme bastante niilista, com personagens que não encontram qualquer sentido na vida e que vivem unicamente para os prazeres carnais.

Todos os protagonistas são personagens violentas e mostram pouca empatia pelos outros ao longo de toda a película, sendo esta violência justificada por pequenos flashbacks que nos mostram o degradar da sua situação pessoal até chegar a este ponto. Com recurso a um grupo de actrizes praticamente desconhecidas na altura (entre as quais se destaca Yumiko Nogawa), Seijun Suzuki conseguiu retirar o melhor que estas tinham para oferecer ao criar um grupo de mulheres aterrorizador que nada fica a dever aos yakuza que também entram no filme.

Como em quase todas de Seijun Suzuki, Nikutai no Mon é visualmente impressionante. Num filme de orçamento baixo (especialmente por ser considerado um filme para adultos), Seijun Suzuki fez o melhor trabalho possível com os cenários pobres que tinha a sua disposição e com um uso espetacular de cores e de técnicas de filmagem e edição. É esta atenção ao detalhe e espetacularidade das imagens que eleva o filme a um patamar superior, pois a angústia, não só dos protagonistas, mas também de toda uma sociedade, é exemplarmente retratada através da visão de Seijun Suzuki. Para além disso, a banda sonora, que faz lembrar a de alguns western spaghetti, ajuda a moldar o ambiente deste gueto de Tokyo como se do faroeste se tratasse.

Nikutai no Mon é uma obra com um estilo inconfundível e que consegue transformar o que de início seria um filme erótico de série B numa crítica niilista à sociedade japonesa no pós-segunda guerra mundial. É mais uma obra obrigatória da filmografia de Seijun Suzuki.

Escrito por: Nuno Rocha

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