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Traces of a Diary

Traces of a Diary (2010) é um filme de Marco Martins e André Príncipe que leva o espectador numa viagem pelo processo e carreira de grandes fotógrafos japoneses, nomeadamente Daido Moriyama, Nobuyoshi Araki, Takuma Nakahira, Hiromix, Kajii Syoin e Kohei Yoshiyuki.

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Os primeiros minutos de Traces of a Diary funcionam como uma espécie de introdução à obra. O fotógrafo Gerry Badger fala-nos um pouco da história da fotografia do pós-guerra japonês onde, até 1959, não era permitida a publicação em massa de fotografias tiradas sobre os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki, numa tentativa de apagar o Passado. Isto leva fotógrafos a usarem uma arte mais metafórica com elementos como a água, o fogo, as explosões, as luzes, entre outros. Verdadeiras imagens de um “apocalipse” que juntas criam, nas palavras de Badger: “livros maravilhosamente esquizofrénicos”.

No final da década de 1960 e inícios da década de 1970, os fotógrafos japoneses começam a interessar-se pelo diarístico, uma fotografia mais documental que procura registar o mundo e as experiências de quem está por detrás da câmara. À semelhança do que acontece no Cinema (e neste filme em particular) a ideologia de que a câmara consegue ser objetiva ou imparcial começa a cair por terra, e florescem várias obras que abraçam o subjetivo, a capacidade de registo do mundo pelos olhos de outro, não numa tentativa de mostrar o mundo como ele é mas partilhando experiências únicas e muito pessoais.

Os fotógrafos japoneses mergulham no expressionismo e na capacidade de fazer uma fotografia rápida e espontânea (conhecida como snapshot, algo possível graças às novas câmaras, mais compactas, baratas e fáceis de mover e usar), e com esta nova forma de criar contam histórias sobre o seu mundo, a sua cultura mas também sobre eles próprios (os seus gostos, as suas experiências, as suas ideologias).

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Somos apresentados primeiro a Daido Moriyama, fotografo nascido em 1938 que olha a Fotografia como uma cópia da realidade, um registo que não deixa espaço para a criação de uma história fictícia sobre os objetos fotografados, levando-o consequentemente a ver os seus livros como um diário, uma memória das suas experiências.

Moriyama, galardoado com um Infinity Award pelo International Center of Photography de Nova Iorque em 2012, cria caminhando pelas ruas de Shinjuku, local predileto que escolhe para os seus “Street Snaps”, método onde o artista fotografa espontaneamente o que vai encontrando pelas ruas. No final deste processo nascem livros que não possuem um tema determinado, repletos de imagens “aleatórias” sejam elas de pessoas, cartazes, animais, ou qualquer outro objeto. Como Moriyama afirma no documentário: “Quando fotografo no meu dia-a-dia, alguma coisa vai atrair a minha atenção. E então aproximo-me. Procuro o significado enquanto crio, e ele aparece. E quando o resultado é algo caótico fico satisfeito. Não gosto dele demasiado organizado”.

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Kohei Yoshiyuki (1946) é o segundo fotógrafo que encontramos no documentário. Levado pelo desejo de fotografar algo que ninguém conhecesse, Yoshiyuki escolhe como objeto do seu trabalho os parques de Shinjuku e Yoyogi, parques bastante polémicos onde à noite se podem encontrar inúmeros amantes.

Durante dois anos deslocava-se até este parque quase diariamente, levando consigo uma pequena e discreta câmara com infravermelhos. Este hábito culminou em rumores de que o artista seria apenas mais um “voyeur”, homens que se deslocavam até ao parque para espiar os casais, chegando mesmo a aproximar-se sem que eles dessem por isso. Curiosamente em resposta, Yoshiyuki comenta: “Fotografar é isso, na sua essência, não é? Fotografar é um acto de espiar”.

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Passando de um desejo de fotografar o outro chegamos a Hiromix, nome artístico de Hiromi Toshikawa. Nascida em 1976 a fotógrafa dedica o seu trabalho a auto-retratos que servem como um diário de pensamentos e sentimentos ligados a determinada época.
Quando começou, por volta dos 18 anos, a artista usou a sua arte para registar uma altura de transformação que poderia rever mais tarde. As suas obras permitem-lhe ainda aceder ao seu interior, ajudando-a a refletir sobre quem realmente é. Nas palavras de Hiromix: “Fotografar o meu rosto não é só mostrar a minha aparência, mas o meu interior também”. Apesar disto, depressa o seu trabalho foi alvo de várias críticas que descreviam a sua arte como narcisista.

Hiromix possui ainda fotografias de outras pessoas na sua maioria em momentos felizes, transmitindo ao observador a alegria de quem fora fotografado. Ao perceber a sua beleza, a fotógrafa consegue mostrar aos outros a sua própria beleza.

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Fugindo da confusão das cidades viajamos até à Ilha de Sato onde conhecemos Syion Kajii, um monge budista que fotografa o mar, cuja violência lhe transmite energia. O seu avô era o responsável pelo templo e desde criança que tem uma grande ligação não apenas com o templo mas com a ilha em si.

Apesar da religião Kajii tenta abstrair-se dela ainda que, claro, não se desligue totalmente. Nas palavras do fotógrafo: “No sutra, o som funde-se com as palavras e tornam-se um só. Então começo a concentrar-me. No caso das ondas, observo-as intensamente e ligo-as às imagens, e essa sensação fugaz das ondas assemelha-se aos sutras”.

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Traces of a Diary termina com um dois dos grandes mestres, Takuma Nakahira e Nobuyoshi Araki, mencionado no início do filme por Gerry Badger.

Permanecemos alguns momentos com Takuma Nakahira (1938 – 2015)  enquanto este passeia por Shinjuku e ficamos a saber que gosta especialmente de fotografar paisagens. Nakahira era, para além de fotógrafo, um crítico de Fotografia.

Quanto a Nobuyoshi Araki (1940) , encontramos este outro mestre num bar de karaoke onde a conversa é bastante casual. À semelhança de Daido Moriyama, Araki vê a fotografia como uma forma de viver, uma forma de registar a sua vida. O artista continua ainda dizendo que quando está de mau humor, as fotografias acabam por refletir esse estado. Para Araki: “É foto-realismo. É a realidade da fotografia”. Os seus álbuns são constituídos, devido a isto, não apenas pelos momentos felizes ou mais íntimos, mas também por momentos mais infelizes, como um gato morto na rua.

Depressa percebemos também que Araki se foca bastante no nu feminino através das fotografias na sala de karaoke e pela t-shirt que utiliza. Em tom de brincadeira, ou não, revela ainda que fotografa a mulher e coloca a sua imagem na t-shirt para que esta não fuja.

“Quer seja um Passado ou um Presente que nos incomoda, ou um Futuro que idealizamos, dar-lhe forma num pedaço de papel é a nossa função”. É com esta frase que nos despedimos de Araki e chegamos ao fim desta obra.

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Este é de facto um documentário imperdível para os amantes do Cinema e da Fotografia. A obra é um verdadeiro ensaio fotográfico em si sendo uma mistura das imagens capturadas com duas Krasnogork-3 (16mm) e uma edição/montagem bastante interessante. Há semelhança do que acontece com os fotógrafos, Traces of a Diary acaba por ser isso mesmo, um diário da ida da equipa ao Japão, dos seus encontros e experiências.

O documentário é ainda bastante influenciado pelo objeto que filma: segue Daido Moriyama, foca-se nas fotos polémicas de Kohei Yoshiyuki, anda em volta do rosto de Hiromix, e funde-se com o som do mar enquanto observamos Kajii Syoin.

Curiosamente, a forma como algumas sequências estão filmadas (em especial quando seguimos os fotógrafos) juntamente com o som da câmara de filmar, dá a sensação de que estamos realmente a seguir os artistas. Mergulhamos no ponto de vista da câmara como se nos fundíssemos com ela.

Escrito por: Ângela Costa (@angelaookami)

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